Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de 2009

Até que a morte ...

Fui bom enquanto durei. Mais oito páginas e eu acabaria o livro que estava lendo, mas não deu tempo. Ela é muito diferente de como a descrevem por aí. Parece muito com um taxista gordo e tagarela que vai te conduzir através da cidade. Só que desta vez não era através da cidade. Como fiquei com medo de que meu enjôo de andar no banco de trás tivesse passado comigo desta para melhor (ou de pior para esta, sei lá como é que falam por aqui), sentei no banco da frente, ao lado da motorista. Sempre gostei de um bom papo com motoristas de táxi gordos e tagarelas, coisa que deixava minha esposa perplexa. E de saco cheio. Desta vez não foi diferente. E, acredite, a morte tem muita história para contar. Escutei pacientemente cada uma delas, fazendo todos os sons que indicassem interesse e compreensão. E as histórias duraram uma eternidade – sem gozação. Fiquei na dúvida se estava a caminho do inferno ou se já tinha chegado. Comecei a pensar se era possível morrer duas vezes. Se fosse me jogari

Grande Dia

- Porra pai, prá que me acordar? - Eu não te acordei. Você acordou sozinho. A ninguém foi dado o poder de acordar pelo outro. - Não começa velho. Você abriu as janelas e ficou assoviando o hino à bandeira. Deixa eu dormir, por amor de deus, que ainda é cedo. - Você esqueceu que dia é hoje filho? - Estou tentando. - E tem outra, hoje você não escapa de cortar esse cabelo. - Que história é essa? Não vou cortar cabelo nenhum. - Aaaah, vai! Lembra aquela vez que chamei teu irmão e teu primo e te levamos à força? Quer repetir a dose? - Pai, eu tinha dezesseis anos naquela época. Aliás, nunca vou perdoar aquilo. Estava finalmente conseguindo ter a cabeleira que eu queria. - Aquele ninho de ratos? Nós te fizemos um favor. - Tá bom, tá legal. De qualquer maneira, sinto falta daquele tempo. - Nem me fale. - Lembra que ficávamos falando sobre a vida todas as tardes de Sábado? - E se lembro. - Como é que você agüentava um piá de dezesseis anos filosofando sobre a vida por horas a fi

A música ou Sonho de adolescente

A música que eu queria escrever poderia ser em português ou em inglês. Poderia ser também em japonês, italiano ou francês, seu eu conhecesse estes idiomas bem o suficiente para escrever a música que eu queria escrever. Não importa. A música que eu queria escrever teria que mudar o mundo. É eu sei, este é um sonho de adolescente, coisa de candidata a miss, que não combina com meus quase 35 anos de idade. Foda-se. Eu queria uma música que fizesse todo mundo pular, sair gritando pela casa, dançando da maneira mais idiota possível, mas decidido a viver melhor. Uma música emocionante como a melhor balada, forte como o mais agressivo heavy metal, profunda como a mais bem feita sinfonia, inteligente como um improviso de jazz, tocante como o blues e nem de perto parecida com o sertanejo, o axé ou o pagode. Uma música que fizesse esquecer-nos dos problemas e ajudasse a encontrarmos soluções. Uma que fizesse o ladrão devolver as jóias, e o dono das jóias as transformasse em comida para o vizinho

Por que carro?

Porque é a melhor maneira, e a mais confortável, de ir de “A” a “B”. Porque simboliza poder e dá status. Porque o vizinho tem. Porque sem carro não vou conseguir comer ninguém. Essas são apenas algumas das possíveis respostas à pergunta do nosso título. Entretanto, buscando uma boa razão para continuar trabalhando para a indústria automotiva (uma das grandes vilãs do momento), cheguei a uma conclusão diferente. Com o tempo, possuir e guiar um veículo motorizado pode ganhar dimensões “mundanas” como as sugeridas no primeiro parágrafo. Mas no começo não. No começo tudo o que você quer é sentir que domina uma máquina complicada como o automóvel. Quer sentir que só depende do pé direito para sair voando por aí. Quer sentir o frio na espinha quando ultrapassar os 40 Km/h pela primeira vez, a máxima velocidade que já tinha conseguido com sua bicicleta, naquela descidona do seu bairro. É um desafio ao design original do nosso corpo em termos de reflexos, velocidade e força. Somos mais do qu

Amiga com um plus a mais adicional

Quando vejo minha esposa se transformando em 1000 para cuidar do nosso pequeno e percebo o prazer que ela sente ao fazê-lo, mesmo quando não sente mais as pernas e os braços, não sabe mais que dia da semana é e às vezes esquece meu nome, não consigo evitar de imaginar minha mãe cuidando de três pequenos ao mesmo tempo. Nos últimos dias tenho feito um enorme esforço mental para lembrar da minha "velha" naquela época, mas minha memória não me tem ajudado muito neste caso. Toda vez que tento, consigo lembrar apenas da amiga e ao invés da mãe. Lembro da amiga que me deu uma força enorme nos dias do vestibular para engenharia. Lembro da amiga e companheira de viagem, quando saí do país pela primeira vez, entrei num avião pela primeira vez e nos apavoramos juntos em uma aterrisagem acrobática em Nice pela primeira (e se Deus quiser última) vez. Da amiga que com muito tato me convenceu a telefonar para a garota pela qual nutri um amor platônico de quase um ano, e que acabou assim

A guerra de Carlão

     - Mari, querida, a partir de hoje quero que você cozinhe o almoço todos os dias. - Tudo bem meu anjo! Carlão venceu batalha. - E vê se aprende a temperar o feijão como a minha mãe. Seu tempero é muito exagerado. - OK. Carlão venceu batalha. - E quero sexo todos os dias. - Tá bom. Se quiser posso trazer uma amiga de vez em quando para não ficar monótono. Carlão venceu a batalha. - Quarta-feira é dia de futebol, você sabe né? Quero salgadinho, cerveja gelada e que você pare com aquela história de fumódromo atrás da casinha do Bidu! Queremos fumar dentro de casa. - Que salgadinho você prefere? Carlão venceu a batalha. - E também... Peraí. E também quero uma Harley com aquelas bolsas de couro nas laterais e guidão alto, tipo Easy Rider, e ... - Tá, agora chega. Carlão! Acorda meu bem, você está sonhando em voz alta de novo e vai acordar o neném. Carlão perdeu a guerra.

Muito Pior

Foi ao despontar do dia 09 de 09 de 09, um dia como outro qualquer, que Francis saiu de casa para trabalhar. Tinha que chegar cedo para resolver quatro ou cinco problemas que não resolveu ontem e que o impedirão de resolver os quatro ou cinco problemas de hoje, que ficarão para amanhã, quando terá que chegar cedo ao trabalho como todo dia. Estava pensando, desde o dia 08 de 08 de 08, a largar o emprego. Chegou no escritório antes da tia do cafezinho, bateu a capa de chuva na parede e pendurou-a no cabideiro. Cumpriu o ritual de chegada e começou a ler as mensagens do correio eletrônico. Lá pela trigésima sétima mensagem, ainda muito antes dos ônibus despejarem as mais de mil pessoas que trabalhavam na sua unidade, escutou um ruído vindo do banheiro. Mais por preocupação do que por curiosidade, foi verificar. A cena foi tão chocante que passou o dia todo balbuciando para quem não quisesse ouvir "Não posso. Não posso pensar na cena que visualizei e que é real." As

Big Lula

Você já leu 1984, de George Orwell (na verdade Eric Arthur Blair disfarçado)? Em tempos de flertes exagerados com a censura, a estatização e a propaganda ininterrupta dos ganhos previstos pela Petrobrás com a descoberta de novos e gigantescos poços de petróleo, as semelhanças são incríveis. Ou melhor, críveis, mas preocupantes. O Brasil poderia ser a Oceania ou qualquer outro dos três superestados intercontinentais criados por Orwell no romance. Lula, se não é o Big Brother, parece ter um aparato ao seu lado digno do temido irmão. E por fim, a Petrobrás. Uma empresa que quebra recorde atrás de recorde e é orgulho nacional, sendo utilizada para propaganda política de reforço do partido do Grande Irmão, com o único objetivo de esconder da sociedade os verdadeiros problemas e garantir a perpetuação no poder. E nós, somos quem? Winston Smith, obviamente. O personagem principal do romance, que se apaixona por Julia e se revolta contra o estado. Leva porrada até ser moldado e se conforma

O nome do longo hiato

Tenho agora algo em torno de doze leitores assíduos. É demais para a minha cabeça. Esse negócio está fugindo do controle. Antes eram apenas minha doce esposa, minha sogra, meu pai e meu irmão mais novo. Estava tudo sob controle. Agora que tem outros oito, me sinto na obrigação de justificar o longo hiato entre o último texto e este, e entre este e os próximos, que provavelmente será tão longo quanto. A justificativa tem seis meses, nove quilos, o primeiro dente e responde por filhão ou gorducho, só que deste último ele não gosta muito. Falando nele, vai aí uma dica de veterano para aqueles que tem filhos de cinco, quatro, três, dois ou um mês, mais conhecidos como calouros. Tudo o que te disseram sobre os nenéns - perceba, eu não disse quase tudo, ou muito do que, ou a maioria, eu disse TUDO - é mentira ou não se aplicará ao seu. Só para dar um exemplo, um colega de trabalho me disse categoricamente que as cólicas, quando existem, acabam como que num passe de mágica no exato momento

João Badalhoca

João Badalhoca vivia pendurado. Não era encrenca, mas estava encrencado. Calhou certo dia ao olhar para o lado, cair de amores pela mulher do delegado. João Badalhoca, onde já se viu, brincando com a sorte, com a vida por um fio. Foi ter com o padre a quem confessou, coisa séria meu pai, o homem já sabe quem sou. João Badalhoca e seu tiro certeiro, antes fosse pros lados da mulher do leiteiro. Pobre do João, situação inefável, justo com o delegado e sua mulher inflável .

O negócio

Assim como o lobisomem culpa a lua, mas não se prepara para o que já sabe que acontecerá, João culpava a má sorte, o governo e a situação no Oriente Médio pelo seu fracasso. Não conseguia entender como é que os pedidos não vinham. Sua ideia de vender berinjela seca e salgada para o lanche de qualquer hora era genial. Não importava quantas vezes o haviam prevenido, era genial e pronto. Teimosia talvez fosse algo que João devesse prestar mais atenção. Depois de meses tentando e de ter entupido a família com o infame legume em todas as suas possíveis formas de apresentação, não tinha mais o que fazer com o estoque e com os equipamentos que havia comprado para seu novo e já fracassado negócio. Entrou no e- Bay e pôs à venda 50 quilos de berinjela , um forno industrial e uma empacotadeira . Está claro que não vendeu as berinjelas , mas conseguiu um bom preço pelo resto. Outro gênio começaria seu próprio negócio, talvez agora com chuchu ou abobrinhas . Andava de um lado para outro, pe

O telefone tocou

A lua, que estava pela metade, já ia alto ao céu quando o telefone tocou. Ele sabia que não deveria ser nada, pois todos que ele ama estavam ao alcance das suas mãos. Mesmo assim sua espinha gelou, reflexo de outros tempos. Atendeu por engano da curiosidade e se arrependeu. Do outro lado, um silêncio não identificado, como todo silêncio. Desligou desconfiado e esperou o telefone tocar novamente. Não tocou. Três dias depois, no mesmo horário, toca o telefone novamente. Tinha se esquecido de desligá-lo e, como curiosidade é seu ganha-pão, atendeu. Mais uma vez, o silêncio incômodo . Xingou e foi dormir. Sua mulher resmungou alguma coisa sem acordar. Era professor e trabalhava em um laboratório da universidade. Nem ele sabia explicar direito o que estava pesquisando, mas era importante. Talvez para alguma outra geração. E tinha que ver com inteligência artificial e modelos matemáticos complicados, que só uma inteligência humana superior poderia criar. Não se preocupava com este para

O que vale é o busão

Acordo as cinco, chego ao aeroporto as seis, voo as sete, chego ao Rio as nove, me enrolo um pouco, decido conhecer o Rio, pego um táxi-guia, em três horas com meu novo amigo Marcelo vejo a casa do Roberto Carlos, a casa do Roberto Marinho, nenhuma outra casa de nenhum outro Roberto, Copacabana e o Copacabana Palace , Leblon , Ipanema, Urca e o Morro da Urca , várias favelas, a maioria de longe, o aterro do Flamengo, o Maracanã , o lugar onde o Ronaldo (me recuso a dizer, o Fenômeno ) começou sua carreira, o mirante de Santa Marta, o Jardim Botânico (bem de longe), o Cristo (mais de longe ainda), o Pão de Açúcar, o Pinel , a Lagoa Rodrigo de Freitas, as casa de praia de D. Pedro e da Princesa Isabel, a praia do Botafogo , a praça da Apoteose, a passarela do samba, o aeroporto Santos Dummont e o Tom Jobim , a ponte Rio - Niterói , a ilha do governador, a linha vermelha, a igreja da Candelária, quatro ou cinco caveirões e o simpático pessoal do Bope , a floresta da Tijuca , a centr

Rock de Porão

O tempo faz bem ao bom rock. Ele é um filtro natural entre o que é perene e o que expirou e, mais importante ainda, descola os rótulos que insistimos em colocar no que é novo. É como uma boa garrafa de vinho que sobrevive ao tempo e você encontra no porão do seu avô sem o rótulo. Naquele momento, você não sabe se o vinho é bom ou não, se sobreviveu ao tempo ou não. Sequer sabe que nome deram para ele. Tira a rolha, toma um gole e descobre. Fico imaginando meu filho recém -nascido descobrindo minha coleção de CDs. Para ele não fará a menor diferença se o Green Day era classificado à época como punk rock, power pop , hardcore melódico ou qualquer outro nome que se dê hoje ao tipo de música que eles fazem. Ele vai escutar Dookie como hoje eu escuto Never Mind the Bollocks , um clássico absoluto. Vai escutar Radiohead como eu escuto Dark Side of the Moon e Damien Rice como eu escuto Springsteen . Não me interessa como classificavam o Floyd , os Pistols ou o Boss em su

Uma canção torta de esperança

Since when did you start laughing? Since when do you like the rain? It’s a game I play, it’s a simple thing Just trying to stop the time again If you grow up faster than I can learn You will end up taking care of me instead So I have got no time to burn Got to look ahead, just look ahead Words of hope is what I am trying to find But the hope is not on words, it’s in you Just to look at your face, it blows my mind What can I do? Tell me what am I supposed to do? So when I stop laughing and start praying to stop the rain Come around my son to remember me who I am Even if you don’t need me anymore

Como um alemão sente saudades

Quase sempre a distância traz lucidez. E saudades, obviamente. Se bem que, se saudade fosse tão obvia , não seria omitida em idiomas tão importantes quanto o inglês, por exemplo. Estou falando da palavra, que fique claro, pois os ingleses, americanos, canadenses, australianos e outros povos falantes da língua de Shakespeare também a sentem, mesmo sem terem uma palavra única e exclusiva para descrevê-la. Ah, como a vida fica mais fácil quando se nasce em um país cujo idioma tem o nível de riqueza do nosso português. Nunca estudei (e nem sei se tenho competência para tal) a teoria da relatividade de Einstein, mas sei - porque sinto - que ele tinha razão. O tempo é de fato relativo. Já fiquei uma semana inteira longe de vocês, e depois mais outra, morrendo de saudades, mas com tudo sob controle. Estava aqui pertinho . Agora que estou do outro lado do mundo, há apenas 12 horas, mesmo sabendo que nossa palavra, merecedora de todo o primeiro parágrafo, não existe por aqui e que ela não vai

Chacoalho

Sempre que tocava uma música boa, ele aumentava o volume na esperança de que ela soltasse os cabelos e os chacoalhasse como antigamente. Foi assim a primeira vez que a viu, com uma amiga, dançando ao som de uma banda qualquer que animava a festa. Nunca pedia, não que ela fosse se negar, mas não teria o mesmo efeito. São estranhas as coisas da vida, que nos fazem querer sempre o que ficou lá atrás, mesmo quando o de agora esteja melhor, o que se pode afirmar ser o caso. Estavam viajando para o interior, com o pequeno resmungando no banco de trás do carro, quando começou a tocar um rock qualquer dos anos 80, especialidade dela. Ele aumentou em dois ou três graus o volume e olhou disfarçadamente para o lado. Ela tirou o elástico que prendia seus longos cabelos castanhos, jogou-os para trás em um movimento brusco, enrolou-os com a mão direita e passou o elástico novamente. Ele deu um suspiro. Ela deu um maior e disse: - Você nunca mais tocou bateria no volante do carro como fazia quando n

De uma hora para outra

Antes que alguém pergunte, essa história não é inédita, ela já aconteceu. Apenas ninguém tinha tomado tempo para colocá-la em palavras, e é isso que vamos tentar fazer. Não foi assim, de uma hora para outra, que ele resolveu apagar suas memórias. Arquitetou tudo direitinho . Começou pelas fotos que mantinha dos tempos de escola e das antigas namoradas. Cancelou todas as suas contas em bancos, sítios eletrônicos e no bar do Joca . Deixou a barba crescer, o cabelo que restava também. Parou de andar no calçadão da Atlântica e de visitar os parentes. Só não conseguiu parar de fumar, mas este é um hábito que não define uma pessoa e portanto não estragaria seu plano de sumir aos poucos. Na verdade, como bem sabemos, poderia até acelerá-lo. Deu seus ternos para o porteiro antes de se mudar. Cortou as mangas das camisas e as calças à altura dos joelhos. Passaria o resto de seus dias lendo e relendo seus livros preferidos, escutando seus discos de música de elevador e bebendo água tônica co

O problema de trabalhar com logística

Outro dia fui comprar fraldas para o meu pequeno e me deparei com um dilema. Ele está com quase dois meses e as fraldas de  recém -nascido já estão ficando apertadas. Ao mesmo tempo, as de tamanho P são muito grandes. Como não existem farmácias ou supermercados muito próximos à minha casa, teria que garantir um mínimo de fraldas para não passarmos aperto no meio da noite. Quando se trata do próprio filho como cliente, o nível de serviço é uma variável absurdamente importante. Também o custo de transporte ficaria muito alto se eu tivesse que tirar o carro a cada pacote. Ao mesmo tempo, como a crise está aí e meu sangue árabe fala alto, não queria comprar fraldas demais, para evitar não somente o  sobrestoque , mas também a obsolescência, ainda mais custosa. Fiquei horas pensando no equilíbrio entre custos de transporte, custos de estoque e nível de serviço, quando me dei conta de que meu filho não está nem aí para tudo isso. O que ele quer é o bumbum  limpinho  e que o pai dê mais atenç

Mediterrâneo

Numa viagem que fiz no início de 2008 a trabalho, fiquei hospedado em uma pequena cidade chamada La Bouille , na região metropolitana de Rouen , famosa capital da alta Normandia, no noroeste da França, onde Joana D' Arc foi queimada. La Bouille é uma pequena vila de 818 habitantes que contorna um pedaço do rio Sena. Como na França comer bem não tem absolutamente nada que ver com tamanho de cidade, La Bouille , como qualquer cidade francesa, grande ou pequena, tem restaurantes ótimos . Tive a sorte de ficar hospedado no hotel que tem o melhor deles, não só da cidade como de toda esta região que beira o rio. O restaurante tem o mesmo nome do hotel, La Belle Vue , mais do que justificado quando se abre as janelas de qualquer um de seus quartos. A esta altura deve-se estar imaginando qual a ligação do título do nosso texto, Mediterrâneo , com esta experiência que tive em um restaurante do outro lado da França. Simples, eu explico. Sempre fiquei fascinado com o fato de não inte

Por que você não é daqui?

Por aqui as coisas são diferentes. Se os pássaros migrarem para o sul no inverno, morrem congelados. Por aqui, se você pedir um cookie , vão te dar um cuque , de uva ou de banana. Se for em Santa Catarina ainda vão corrigí -lo, dizendo que é cuca e não cuque . Querido pai: você me perguntou recentemente por que eu afirmo ter medo de você. Respondo: por que você não é daqui. Se fosse saberia de tudo isso e mais, por aqui a gente gosta mais de bunda do que de peito, nosso futebol é de fato jogado com os pés (ao contrário do americano e do argentino) e esqueceram de contar para o pessoal do McDonald 's local a tradução de fast food . Nosso senso de direção é péssimo; norte, sul, leste e oeste não significam muita coisa para nós. Por aqui a bala é perdida, e geralmente encontrada na cabeça de um inocente, e geralmente naquela cidade maravilhosa cheia de favelas. Você não tem a menor ideia do que seja uma favela, mas adora ver filmes sobre elas. Querido pai: você me perguntou recent

Masbaha

Contava cada uma das 33 pedras do seu masbaha favorito pela décima vez para esquecer o que tinha acabado de passar. Não era religioso, muito menos muçulmano. Conhecia apenas um dos 99 nomes de Allah , justamente este, e usava o masbaha apenas para aliviar as tensões do dia-a-dia e esquecer-se dos problemas, que àqueles tempos eram muitos. Sua esposa, que o observava pela fresta da porta entreaberta do escritório, também tinha seus próprios problemas, mas o maior de todos é o que tinham em comum. Há tempos não podiam suportar a companhia do outro. Ela fechou a porta com vagar extremo e se afastou, furtiva, como quem abandona um doente que acaba de adormecer à meia-noite. Não tinham filhos e estavam juntos a tempo suficiente para se esquecerem do tempo em que estavam juntos. Eram como inimigos de guerra presos na mesma cela, que tiveram que aprender a se respeitar, pois a outra opção era fatal. Ele passou mais umas duas horas apertando as pedras de Allah antes de ir para a cama.

Quanto pesa seu bebê?

Ah, a mãe Natureza! Minha esposa ganhou exatos 9 quilos até o final da gravidez. Descontando-se os aproximados 3 quilos de bebê, significa que ela desenvolveu 6 quilos de acessórios. Como diriam os mineiros, ó pcê vê! Com apenas 6 quilos adicionais, ela é capaz de alimentar, aquecer, entreter e manter limpo um bebê. Você sabe quantos quilos de tranqueiras de plástico, tecido, madeira e metais são necessários para fazer exatamente a mesma função a partir do dia seguinte ao nascimento do pequeno? Pois é, em uma estimativa muito imprecisa, calculei algo entre 200 e 400 quilos. Isso significa que, na melhor hipótese, nossas tranqueiras recém adquiridas são umas 30 vezes menos eficientes do que a natureza. Pelo menos se considerarmos o critério peso. E, afinal, para que serve essa conta? Para absolutamente nada, mas os 300 quilos de coisas necessárias já estão comprados e eu tenho que matar o tempo de alguma maneira até ele nascer.