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Grande Dia

- Porra pai, prá que me acordar?
- Eu não te acordei. Você acordou sozinho. A ninguém foi dado o poder de acordar pelo outro.
- Não começa velho. Você abriu as janelas e ficou assoviando o hino à bandeira. Deixa eu dormir, por amor de deus, que ainda é cedo.
- Você esqueceu que dia é hoje filho?
- Estou tentando.
- E tem outra, hoje você não escapa de cortar esse cabelo.
- Que história é essa? Não vou cortar cabelo nenhum.
- Aaaah, vai! Lembra aquela vez que chamei teu irmão e teu primo e te levamos à força? Quer repetir a dose?
- Pai, eu tinha dezesseis anos naquela época. Aliás, nunca vou perdoar aquilo. Estava finalmente conseguindo ter a cabeleira que eu queria.
- Aquele ninho de ratos? Nós te fizemos um favor.
- Tá bom, tá legal. De qualquer maneira, sinto falta daquele tempo.
- Nem me fale.
- Lembra que ficávamos falando sobre a vida todas as tardes de Sábado?
- E se lembro.
- Como é que você agüentava um piá de dezesseis anos filosofando sobre a vida por horas a fio. Você devia me achar um ridículo.
- Ridículo é você pensar isso. Eu achava o máximo. Meu filho virando homem. Pensando por si mesmo. Um cabeça de vento, é claro.
- Há há, engraçadão.
- Brincadeira. Escutar você me enchia de esperança. Pena que com o tempo a gente vai perdendo o brilho.
- Olha aí, agora é você quem está filosofando.
- Pois é, acho que quando a gente fica velho, as velhas manias voltam.
- Você não é velho.
- Claro que sou. E você acabou de me chamar de velho.
- Força de expressão.
- Sabe do que lembrei agora?
- Hã.
- Da tua primeira vez em um show de rock.
- Ah não pai, esta história não.
- Você pulando como um louco, abraçado com os amigos. Que banda era aquela mesmo?
- Nem me lembro. Acho que era Barão, ou Titãs, sei lá. Alguma destas grandes daquela época.
- Eu não entendia bem como você gostava daquele barulho ...
- Ainda gosto.
- ... mas ficava feliz de te ver feliz.
- Pai.
- Quê?
- Me leva cortar o cabelo.

Comentários

Beto Leal disse…
Maluco, real ou não, teu texto é muito bonito. Fez eu me emocionar.
Abraço.

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História de fim de dia

O pai chegou em casa cedo naquele dia. O pequeno estava na sala, com alguns amigos que tinham vindo com ele do colégio para brincar de videogame. A mais velha estava no quarto, com alguns amigos que não tinham vindo com ela do colégio, batendo papos virtuais. A mãe estava no banho. O cachorro em todos os lugares. Chovia lá fora. Como as crianças já estavam cansando de matar monstros e fazer curvas impossíveis, o pai resolveu contar uma história. Atividade antiquada essa de contar histórias, com a TV desligada, onde já se viu. Mas não demorou muito para o pequeno e seus pequenos colegas vidrarem seus pequenos olhos no pai, mal respirando. Era sobre um ser que viveu aqui por essas paradas, há muito tempo. Um ser verdadeiramente iluminado. Apesar de não ser humano, era amigo de todos. Cada vez que ele aparecia para uma visita, nem que fosse breve, todos se alegravam. Ele inspirava planos, sonhos, música. Enquanto o pai contava, a filha mais velha se juntou à gangue. Ouviu o silêncio

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