A música que eu queria escrever poderia ser em português ou em inglês. Poderia ser também em japonês, italiano ou francês, seu eu conhecesse estes idiomas bem o suficiente para escrever a música que eu queria escrever. Não importa. A música que eu queria escrever teria que mudar o mundo. É eu sei, este é um sonho de adolescente, coisa de candidata a miss, que não combina com meus quase 35 anos de idade. Foda-se. Eu queria uma música que fizesse todo mundo pular, sair gritando pela casa, dançando da maneira mais idiota possível, mas decidido a viver melhor. Uma música emocionante como a melhor balada, forte como o mais agressivo heavy metal, profunda como a mais bem feita sinfonia, inteligente como um improviso de jazz, tocante como o blues e nem de perto parecida com o sertanejo, o axé ou o pagode. Uma música que fizesse esquecer-nos dos problemas e ajudasse a encontrarmos soluções. Uma que fizesse o ladrão devolver as jóias, e o dono das jóias as transformasse em comida para o vizinho. Que fizesse o soldado perder o emprego e feliz encontrasse outro. Que fizesse o jornal ficar mais fino, pelo menos nas sessões de notícias ruins, e que o menino não precisasse mais dele para se cobrir na rua fria, mesmo porque não estaria mais morando na rua. Enfim, uma música que, verdade verdadeira, mudasse o mundo. Para sempre. Acho que vai ser difícil, mas prometo morrer tentando. Tenho certeza de que ela ainda não existe, é só ler o jornal.
Eu não sou exatamente um cara místico, que acredita muito em que tudo acontece por um motivo e tal. Ou pelo menos não era até ter meu filho e começar a me aproximar da meia idade. Agora, de verdade, meu velho ter perdido a hora no meu primeiro dia de aula em um novo colégio sempre fez meu ceticismo cair de joelhos, por assim dizer. Explico. Meu velho nunca perde a hora. Pelo contrário, a hora é que perde ele. Sempre agitado, ligadão, a mil por hora, quais eram as chances dele dormir demais no primeiro dia de aula de dois dos seus três filhos no colégio novo? Bom, alguma chance deveria ter, pois foi o que aconteceu. E esse pequeno deslize foi o que salvou a minha vida, sem exageros. Como cheguei atrasado, as carteiras próximas aos meus colegas do antigo colégio já estavam todas tomadas. Sobrou um lugar do outro lado da sala de aula, bem no meio de três figuras lendárias da cidade. Para um piá de prédio, patologicamente tímido, vindo de um colégio de filhinhos de papai, sentar no meio ...
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