Porque é a melhor maneira, e a mais confortável, de ir de “A” a “B”. Porque simboliza poder e dá status. Porque o vizinho tem. Porque sem carro não vou conseguir comer ninguém. Essas são apenas algumas das possíveis respostas à pergunta do nosso título. Entretanto, buscando uma boa razão para continuar trabalhando para a indústria automotiva (uma das grandes vilãs do momento), cheguei a uma conclusão diferente.
Com o tempo, possuir e guiar um veículo motorizado pode ganhar dimensões “mundanas” como as sugeridas no primeiro parágrafo. Mas no começo não. No começo tudo o que você quer é sentir que domina uma máquina complicada como o automóvel. Quer sentir que só depende do pé direito para sair voando por aí. Quer sentir o frio na espinha quando ultrapassar os 40 Km/h pela primeira vez, a máxima velocidade que já tinha conseguido com sua bicicleta, naquela descidona do seu bairro. É um desafio ao design original do nosso corpo em termos de reflexos, velocidade e força. Somos mais do que fomos projetados para ser dentro de um aparato que nós mesmos projetamos. O paradoxo. É isto que nos atrai no começo, não o “mundano”, mas o paradoxal. Como é que pode? Essa é a pergunta que tentamos responder com nossos próprios pés.
Aos poucos, com o aprendizado consolidado e os movimentos automatizados, a razão inicial se perde. O trânsito, o preço da gasolina e os motoboys fazem você esquecer por que diabos queria tanto aprender a dirigir quando tinha 16 anos. Você começa a questionar suas posições. Pensa em largar o emprego, vender aquele bandido, assassino do meio ambiente, e criar uma comunidade alternativa. Talvez até mesmo perto daquela rua, com aquela descidona, no seu antigo bairro.
Quando está andando até a mesa do chefe para anunciar que vai sair da empresa para criar a “Comunidade dos Odiadores de Automóveis”, lembra como tudo isto começou. Lembra da primeira bicicleta sem rodinhas, da rampa de skate que você construiu com compensado roubado de uma construção perto de casa, do carrinho de rolamentos que herdou de um tio que não tinha os dentes da frente e do frio na espinha quando estava aprendendo a dirigir, com seu pai ao lado e o resto da família rezando no banco de trás. Lembra que seu filho de 8 meses só relaxa e dorme quando está no carro e imagina o que ele está sentindo. Ou melhor, chega a lembrar da sensação. Neste momento você volta para a sua mesa, respira fundo, pega a chave do carro, senta-se ao volante, abre todas as janelas e sai para uma volta. Começa a pensar que os engenheiros, estas pessoas maravilhosas que adoram resolver problemas que não tínhamos antes, hão de encontrar uma maneira de termos estas sensações maravilhosas, sem destruir o planeta, sem enfrentarmos engarrafamentos e sem passar vontade de atropelar um motoboy por esquina. Eles hão de resolver mais este problema para nós.
Está aí uma boa razão para continuar trabalhando na indústria automotiva. Quero continuar acompanhando, de dentro, a quantas anda este negócio. Caso contrário, vou ter muito que explicar para meu filho. E historicamente o povo da minha família não é fácil de dobrar.
Comentários
Esses dias o primo de um amigo meu morreu porque foi atropelado na saída do atletiba, esses casos a gente ouve todo dia, uma coisa legal a mais para pesquisar e lutar é por veículos mais seguros, tanto para quem está dentro como para quem está fora. Se houvesse um dispositivo no carro que fizesse com que um atropelamento fosse impossível acontecer, puxa aí a maior causa de mortes no Brasil hoje estaria resolvida.