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Mostrando postagens de 2006

Repetrospectiva

Tenho uma amiga, que depois de levar algumas rasteiras da vida, está com vontade de tatuar uma pulga atrás da orelha. Não duvido que ela o faça, e que vire moda. Afinal, como não ter uma pulga atrás da orelha depois de um ano como 2006. Não sou dado a retrospectivas, afinal, o que passou, passou. O problema de 2006 é que o que passou, não passou, continua passando. Nosso querido presidente falando bobagens relacionadas ao futebol, que supostamente têm algo haver com a situação do país, mas que ninguém entende. Mais um corte insignificante na taxa básica de juros. Mais um "pequeno" roubo impune. Mais um atentado em algum lugar do oriente médio, com uma série de mortes e mães chorando. Mais um grau na temperatura média da terra. Mais uma empresa abrindo as portas na China. Mais um grupo de funk carioca feito nos Estados Unidos. Desde quando o mundo ficou monótono? O único evento que quebrou a monotonia do ano no Brasil foi a crise aérea que se estabeleceu desde outubro, quando

Avião - parte III - A última

Sempre fui apaixonado por trilogias no cinema. Desde Indiana Jones, passando por De Volta para o Futuro e Guerra nas Estrelas, até chegar na famosa trilogia de Kieslowski. Sempre achei que um filme de duas horas é muito pouco para contar boas histórias. Minha maior decepção foi quando lançaram O Massacre da Serra Elétrica IV, e depois o V e assim por diante. Se soubesse que não seria uma trilogia, mas sim uma duziologia, não teria nem começado. De qualquer forma, foi esta paixão que me levou a escrever este terceiro (e último, prometo) texto sobre aviões. Na verdade, na última vez que falei sobre isto estava maravilhado com minha repentina cura ao pânico de voar. Faltava só a prova final. Vôos longos sobre o oceano. E não é que passei no teste? Fui e voltei de Londres sem sentir nenhum tipo de medo, e olha só, na volta, antes de decolar, o piloto anunciou um pequeno problema técnico, e que tinha uma equipe de engenheiros vindo arrumar a aeronave. Que tipo de pequeno problema técnico pr

Copos de Coca-Cola

Eu nunca tinha tomado um verdadeiro Bordeaux. Hoje foi a primeira vez, e foi em um copo de plástico com o logotipo da Coca-Cola. Com certeza não era um Grand Cru, mas não dava para ter certeza da qualidade do vinho servido desta maneira. De qualquer forma, acompanhou melhor o mini-jantar do voo para Londres do que a bebida que o copo anunciava. Uma das vantagens da minha recém adquirida simpatia, que horas antes, no balcão do check-in da British Airways me ajudou a conseguir um lugar na classe economica plus. É, eu também não sabia, mas existe uma classe economica plus, com espaços um pouco maiores e vinho Bordeaux em copo de Coca-Cola. Quem sou eu para desdenhar. Agora estamos a umas duas horas de Londres, e faz um tempão que a luz do cinto de segurança não acende, o que me garantiu o pouco de sono necessário para a maratona que me aguarda esta semana. Dois dias em Londres, como fotógrafo da tower bridge e pedestre atravessando a Abbey Road na faixa, três dias em Oxford e dois em Birm

Jordão

Se tem uma coisa que me incomoda são crianças prodígio. Qualquer mirim que se atreva, ou seja forçado pelos pais, a fazer coisas típicas de adultos, me irritam profundamente. Se você lembra de um cantor francês chamado Jordi, sabe do que estou falando. Nenhuma criança deveria tentar cantar. Imagine este cidadão vendo os vídeos que gravou quando era criança. Deve ter passado a adolescência trancado no quarto, e hoje deve estar vivendo em algum lugar distante de sua terra natal, como por exemplo, no interior de São Paulo. Deve ter mudado seu nome para Jordão (mais uma questão de auto-afirmação), e jura que apesar do sotaque, nasceu e viveu a vida toda no Brasil. Casou com uma baiana e faz acarajé todos os Domingos na feira. Tem uma estranha fixação pela barraca de crepes e o nome de seu cachorro, Petit Chanteur, é pouco convencional na região onde mora. A baiana sonha em conhecer Paris, e está até fazendo um caixinha para a viagem. Ele nunca explica porquê, mas tenta convencê-la a mudar

Quantos dias tem o mês

Minhas unhas já cresceram outra vez, e lembro de tê-las cortado ainda ontem. Lembro bem porque ontem teve lasanha no almoço. Ou será que a lasanha foi anteontem? É verdade, ontem teve feijão. Agora me confundi se cortei as unhas no dia da lasanha ou no dia que fui no cinema com a Tati, que foi uns dois dias antes. Ou foi na semana passada? Semana passada nós fomos passar o final de semana na casa de meus pais, que foi um final de semana depois das eleições, e lembro bem que na semana das eleições não fomos ao cinema, pois eu queria assistir ao debate (inútil diga-se de passagem) na televisão. É isso, agora lembrei, um mês atrás foi a ultima vez que fomos ao cinema, uma semana antes das eleições, duas semanas antes de passarmos o final de semana na casa de meus pais, três semanas antes de comer lasanha no almoço, uma semana atrás. Nem sei mais quando cortei minhas unhas pela última vez, mas elas estão gigantes. Ou o mês é que encolheu?

Uvas do tamanho de dedos

Há exatamente quatorze anos me mudei para Curitiba. Bem, faltam ainda uns quatro meses para que a palavra exatamente cumpra seu papel na frase anterior, mas vamos deixar por isso mesmo. Anos depois que minha família me deixou sozinho pela primeira vez, descobri que assim que dobraram a esquina para voltar para casa, todos caíram no choro. Fico estranhamente feliz de me recordar deste fato. Não gosto de ver ninguém chorar, mas saber que eu faria alguma falta me deixou contente. E como na prática não cheguei a ver ninguém chorando, fica tudo certo. Assim é a minha família. Para quem assistiu ao filme "Casamento Grego" é só imaginar uma família parecida, mas com homens de nariz maior e que, ao invés de restaurantes, são donos de lojas de armarinhos, camisas, cuecas e roupas femininas. Todo o resto do pacote é igual. Por exemplo, para meus pais, tios, avós e até alguns primos (que não necessariamente são primos de verdade), todas as palavras descendem do árabe. Por exemplo, telev

O Ministro do Planejamento

Conheço um homem que foi apelidado pelo sogro de ministro do planejamento. O apelido só é injusto pelo fato de ele não ter a menor inclinação para as atividades políticas; além das da boa vizinhança. Quanto ao fato de ter um dom sobrenatural para planejar atividades, o apelido chegar até a ser muito brando. O homem é bom! Não faltam histórias para provar e nem familiares para constatar. Outro dia estava escutando ele conversar sobre a festa de reveillon com seu filho mais novo. Não lembro bem o dia, mas era início de outubro. - Filho, vamos para a praia passar o ano novo? Após uma feição que refletia total estranheza com relação à pergunta, o jovem entendeu e entrou na onda. - Mas pai, não está meio cedo? - Como cedo, já estamos em outubro! Esses hotéis de praia lotam com uma velocidade que você não acredita. Ainda mais aquele quarto que eu gosto no térreo, de frente para a praia. Posso reservar um quarto para você? - Não sei ainda, deixe chegar mais perto. - Mas é só uma idéia, sem co

Novos Conhecidos

- Olá! - Oi, eu te conheço? - Não sei, por que pergunta? - Porque você disse olá. - É eu disse, então devo te conhecer, e você, me conhece? - Acho que não, por que deveria? - Porque você disse oi, que até onde eu sei é sinonimo de olá, e usando a sua lógica ... - Já entendi. - E seu nome? - Você sabe meu nome, afinal, já nos conhecemos. - É verdade. Aliás, você está mais linda do que nunca. - Obrigada! - Escuta, porque não saimos tomar um café qualquer dia destes? - Acho que não teria problema algum, você me liga? - Já entendi, como já nos conhecemos, eu já sei o seu telefone, certo? - É você tem razão. - Então tá. - Mas sabe o que, troquei de celular, você quer o número novo?

Eu mando na chuva

Eu admito, a culpa é toda minha! A cidade está nesta seca há um bom tempo, e eu sou o causador. Você duvida? É verdade, juro! O céu está limpo, o inverno está quente, o racionamento de água começou, e se você quiser alguém para apedrejar, aqui estou. Quando era pequeno, ouvia dos meus pais que eu havia nascido para grandes feitos. Sempre achei bobagem, coisa de mãe coruja, de pai orgulhoso, mas agora está provado, eu nasci para determinar quando vai chover e quando o tempo vai abrir. Eu tenho este poder, e não adianta ficar com inveja, não tem nada de bom nisto. Na verdade é muito mais uma maldição do que uma benção. Ao longo da história muitos milagres foram atribuídos a pessoas comuns, que depois foram santificadas, ou queimadas em fogueiras. Sinceramente espero não ter nenhum destes dois destinos extremos, mesmo porque não opero nenhum milagre, o que faço é cientifico, você já vai saber. Hoje, depois de mais de quatro meses de uma seca de deixar um Tuareg com sede, choveu! E não foi

Fã Clube

Estou longe de ser um bom escritor, quanto mais um profissional, mas já tenho fã clube. Desde que resolvi publicar minhas crônicas em um blog, angariei uma multidão de três leitores sedentos por novidades. Minha esposa, minha sogra e meu irmão mais novo. Um deles até me ligou reclamando que há mais de quinze dias não escrevo nada. Parece que existe uma regra tácita no mundo virtual de que blog sem atualização, no mínimo quinzenal, deixa de ser lido. Ai não, vou perder minha legião de fãs! Preciso escrever mais. Isto me lembra de quando decidi me aventurar no mundo das letras. No começo, achava que escrever bem era aprender a usar a crase e as vírgulas. Comprei até o “Manual de Redação e Estilo” do Estadão. Mas como na prática a teoria é outra, não adiantou nada, e continuei sem saber escrever. Depois achei que o ideal era ter um projeto maior, com objetivos que me obrigassem a praticar e me aprimorar. Decidi escrever um livro. Escolhi o tema, os personagens, quem eu iria entrevistar pa

O rei do networking

Sempre quis fazer uma homenagem a um homem que foi parte muito importante da minha vida, o tio Carlos. Eu poderia fazer um texto sobre as qualidades dele como engenheiro, ou professor, ou qualquer outra coisa, mas não seria verdadeira. Apesar de ter sido meu primeiro “patrão”, quando eu ainda estudava engenharia, não sei dizer quais eram suas qualidades profissionais. O que sei dizer, e esta é minha homenagem, é que o tio Carlos era o rei do networking. Nunca na minha vida toda fui dar uma volta com o tio Carlos sem que ele cumprimentasse pelo menos umas três pessoas diferentes. E não pense que ele cumprimentava sem conhecer. E não pense que ele conhecia superficialmente. Ele sempre sabia o nome e pelo menos uma característica única da pessoa. Um diálogo típico seria: - Oi doutor! – ele chamava todo mundo de doutor – Tudo bem? - Tudo seu Carlos, e o senhor? - Graças a Deus! E daí, já vendeu o Landau dourado? Era sempre assim. Ele parecia realmente se importar com a

Avião - parte II

Não sei o que aconteceu. Não sou mais o mesmo. Não tenho mais medo de avião. Ainda não fiz viagens muito longas para comprovar, mas pelo que tenho visto (e sentido), o medo se foi. Se a vida fica bem mais fácil, fico com um assunto a menos para chocar os bravos e destemidos. Todos os outros elementos da viagem estão lá, desde a saudades até a conta do hotel, mas o medo de avião já era. Estou agora mesmo escutando Pink Floyd no ipod (você conhece mais alguém que compra ipod para escutar Pink Floyd?), escrevendo este texto na cama do hotel, e não estou nem pensando no vôo da volta. E olhe que hoje é Domingo e o vôo é já na sexta-feira. O que aconteceu comigo? Peguei até turbulência e arremetida do avião um segundo antes do pouso; nada. Acho que as coisas estão funcionando (outro dia eu conto quais coisas). Não que isto tenha muita importância para alguém, só queria registrar o fato. Afinal, se quase não invento nada do que escrevo, quase dá para acreditar que tudo o que escrevi agora é v

Acordei depois de uma noite sem dormir

Acordei depois de uma noite sem dormir, pronto para reclamar da vida. Não deu certo, o dia estava muito bonito e a noite, apesar da insônia, tinha sido tranquila. Fui andar com meus pais e o cachorro, ou com o cachorro e meus pais, se considerar quem definiu a rota e o ritmo. Numa esquina, quando passamos perto de umas crianças que brincavam na rua, o cachorro puxou minha mãe para a direita, fez ela atravessar a rua e, quando vimos, ela já tinha tomado outro caminho. Ela olhou para trás e viu que já estava muito longe, resolveu continuar. Eu esbocei uma corrida para alcança-la, mas meu pai me segurou. Nos encontrariamos mais tarde. Andei longe com meu pai. Longe até demais para a minha idade, e principalmente para a dele. Resolvemos voltar e no meio do caminho peguei um atalho mais difícil. Eu não queria mais perder tempo. Não sei se meu pai encontrou minha mãe no caminho ou não. Não perguntei quando nos encontramos na semana seguinte. Depois deste dia, nunca mais andamos juntos. Cada

Beatles e Rolling Stones

Há muito tempo atrás eu tinha um amigo que por uma época eu gostava de chamar de Rolling Stones. Ele adorava os Beatles. Eu Pink Floyd. Os dois gostávamos de Rolling Stones, mas o apelido dele não tinha nada a ver com a banda, eu só achava legal chamar alguém assim. Se eu nunca entendi porque, imagina ele. Foi o período em que descobrimos o rock´n´roll, mania que cultivo com muito carinho até hoje e que ele, até onde me consta, deixou um pouco de lado. Nós dois eramos de famílias de classe média, mas ele, como é filho temporão, sempre tinha mais dinheiro no bolso. Um dia o convenci a comprar o álbum Ummagumma, do Floyd. Eu não tinha a menor idéia do que se tratava, muito menos estava preparado para escutar um álbum quase inteiro instrumental com músicas de mais de 10 minutos. E eu era o que gostava de Pink Floyd, mas Pink Floyd para mim era a banda do The Wall e do Dark Side of the Moon. Nunca vou esquecer a cara dele quando escutamos o disco. Um misto de "vou te esganar por ter m

Enfim o sol

Hoje é o segundo dia seguido de sol em Curitiba. Alguma coisa está errada. Não é um sol qualquer, aquele tímido que aparece entre nuvens (geralmente várias), é um sol soberano, isolado, só não diria solitário porque ele deve até estar precisando de um ou dois dias sem companhia, para pensar na vida, fazer os planos para o novo ano. Sempre prometi que quando um dia como este surgisse sairia andar pela cidade. Não sei se vai dar, sabe como é, estou curtindo minhas férias e andar dá muito trabalho, mas se eu sair vou passar protetor, prometo. Com trinta anos de idade, não dá para brincar de camarão. Além do que, seria ridículo. Onde foi que você se queimou deste jeito, em Guaratuba, Camboriú, Itapoá? Não em Curitiba. Me Internariam no ato. Talvez eu pegue o carro e saia passear por aí. Tem ar condicionado, músicas que eu gosto e o principal, só preciso passar protetor no braço esquerdo, o que dá uma boa economia. Claro que se fizer a conta direitinho, a economia do protetor não banca o ga

Páscoa

É interessante quando se entra na adolescência e se começa a descobrir seu lado consumista. Eu dava vazão a este meu lado por intermédio das viagens do tio Nagibinho. Muito antes da tão falada globalização e dos shopping centers, ele ganhava a vida (ou tentava ganhar) trazendo produtos americanos e japoneses do Paraguay. Nada mais atraente para um adolescente sedento por novidades importadas. Nada mais irritante para um senhor nos seus sessenta anos, com grandes encomendas de gente rica, do que ter que aguentar uma criança pentelhando por meia dúzia de fitas cassete. Neste final de semana o tio Nagibinho morreu. Morreu com ele mais uma lembrança agradável, de uma época onde tudo era mais simples. Uma época onde os mais velhos não eram tão velhos e o tempo ainda não tinha acelerado. Até a vó Glória, minha bisavó, ainda estava por aqui. Era impossível sair da casa da vó Glória sem alguma coisa em mãos. Qualquer coisa, comestível ou não. Ela e a vó Margarida, mãe do meu pai, sempre foram

Fim de semana

O fim-de-semana começou e terminou com teatro. O recheio foi de moqueca e uma caminhada de duas horas e meia, mas o teatro foi o grande evento. As duas peças foram muito interessantes e completamente diferentes uma da outra. A primeira, “Temporada de Gripe”, é um drama sobre a vida e os relacionamentos que a compõe. O grande lance é que o prólogo e o epílogo fazem parte da peça como personagens, criando as situações mais interessantes das duas horas de espetáculo. A outra peça é uma adaptação de uma história antiga chamada “O Inspetor Geral”. Escrita na Rússia em mil oitoscentos e alguma coisa, é uma comédia excelente e muito bem montada. E o recheio? Bem, o recheio como sempre foi fantástico. A moqueca causou alguns problemas, já conhecidos de todos os que se aventuraram na culinária nordestina sem muita cautela. De qualquer forma, nada que não mereça replay. Logo depois desta aventura gastronomica, a grande loucura da tarde foi uma caminha de uns dez quilômetros. Duas horas e meia de

O quarto álbum

Muitas bandas de rock que ousaram fazer diferente lançaram grandes discos. Algumas até viraram grandes bandas. A maioria delas misturando ao rock ingredientes de outros estilos musicais que aparentemente não teriam nenhuma relação com o som das guitarras distorcidas. Interessante, observando a evolução destas bandas, é que muitas têm uma trajetória muito parecida. Um primeiro disco bem rock´n´roll, com pitadas daquele que será o seu diferencial. Geralmente este primeiro álbum tem uma ou duas músicas que colocam a banda no mapa. Quase sempre grandes hits. Na segunda investida, geralmente se percebe um amadurecimento. Algo como se o som do primeiro disco não fosse bom o suficiente para a banda e ela quisesse arrumar os erros do primeiro. Normalmente os elementos “diferenciadores” da banda aparecem com mais maturidade também. Mais presentes e mais sutis ao mesmo tempo. Geralmente os já convertidos fãs da banda não acreditam que possa haver disco melhor e o terceiro se torna um grande desa

Teaser do Livro

Como se tivesse sido programado, Marcelo chegou atrasado para a primeira aula da nova escola, escolheu o único lugar vago e viu sua vida virar do avesso. Tendo como pano de fundo a história de uma das bandas mais conhecidas da nova cena punk brasileira, o leitor vai descobrir que a vida de Marcelo, que tinha tudo para ser um desastre, se transforma em uma seqüência de fatos pitorescos e inusitados. Com um final comum, porque a vida é assim, o sabor desta história está no recheio, que mistura fantasia com realidade para retratar uma época de grandes mudanças.

Mulheres modelo

Adoro ver minha esposa se arrumando para festas. É como se fosse um desfile de modas particular. Existe todo um ritual que deve ser cumprido até começar o desfile, mas vale a pena. Tudo começa com o banho. Ah, o banho! Às vezes acho que as mulheres tentam remover até as pintas de nascença no banho. Fico imaginando a cena. Ela segurando a pontinha da esponja, cheia de sabão, e esfregando compulsivamente a pinta pensa: “Droga, ainda não foi desta vez, mas um dia eu tiro esta porcaria daqui.” Depois do banho vem a parte mais barulhenta da história. Secar o cabelo talvez seja a tarefa mais importante do processo para as mulheres. A relação delas com o secador é tão íntima que às vezes chega a dar ciúmes. Todas têm um apelido para o seu. Minha esposa chama o dela de “turbininha”, o que faz sentido pelo barulho infernal que sai dali. Cabelo seco, escolhe-se a roupa. Não entendi direito ainda, mas parece haver umas três ou quatro etapas aqui, dependendo da pressa. Não vou nem tentar descrevê-

Avião

Tenho medo de voar. Medo não, pavor! Sou capaz de ficar 12 horas olhando na telinha de bordo se o avião continua com a mesma velocidade e na mesma altitude. Faz sentido? Cada vez que falo para alguém que tenho medo de voar, vem a celebre frase: “Voar é mais seguro que viajar de ônibus, as estatísticas comprovam.” Que estatísticas são essas? Não vem querer me enganar! Nenhum estatístico jamais sobreviveu a um acidente de avião para contestar estes “números”. Se sobreviveu, continua tão apavorado que parou de fazer cálculos. O pior de tudo é que minha esposa tem o mesmo medo, ou até maior. Nosso diálogo em viagens de avião é um espetáculo: - Amor, por que aquela aeromoça passou nos olhando com aquela cara? - Acho que não é nada, ela parece meio antipática mesmo. Mas olhe, ela parou de servir o jantar. - Pare com isso, ela só está batendo papo com a outra. E esse barulho estranho? É assim o tempo todo. Isso quando não estão os dois, petrificados, olhando pela janel

O velho e o Rock

Outro dia li no jornal um texto do Nick Hornby. Para quem não conhece, ele é um escritor britânico, autor do livro “Alta Fidelidade”, que tem o argumento de um dos melhores filmes da nossa geração. Naquele texto, ele explorava as relações entre a idade da pessoa, sua mentalidade e a música que ela escuta. Todo mundo que está beirando os trinta anos e ainda prefere rock à jazz sente um alívio ao ler o texto. É claro que a tendência de quem está avançando na vida adulta é mudar o seu estilo de vida, e com ele a música que escuta. Há, porém, aqueles que preferem deixar para a música o papel de guardiã dos sonhos da juventude, da alegria de viver, do amor bobo e da rebeldia. Uma coisa não precisa estar ligada à outra. Eu não preciso ser rebelde para apreciar o valor da rebeldia. Poucos entendem isto, pois se enchem de preconceitos prontos, que nem são seus, mas que facilitam tremendamente o trabalho de “entender” o mundo. No filme “As Horas”, em uma das melhores cenas, a personagem de Mery

O bug dos milênios

Uma vez disseram que os nossos japoneses são melhores que os dos outros. Acho que nossas pulgas também. Pelo menos de acordo com o diagnóstico da dermatologista para a alergia que eu peguei, segundo ela, graças a algum inseto nova-iorquino. Interessante estes projetos de engenharia (alguém ainda dúvida que somos um projeto de engenharia?) Você é picado por um inseto ao qual nunca foi apresentado, teu corpo não sabe o que fazer e lá vai uma reação alérgica generalizada. Na verdade nada mais é do que um bug no sistema. Bug no sentido literal e figurado ao mesmo tempo. Que maravilha! Veja só, meu anti-vírus (ou anti-pulga) ainda não tinha sido atualizado. Para tanto tenho que passar noites me coçando. Além de sermos um projeto de engenharia, estamos ficando ultrapassados. Alguém já viu computador se coçando enquanto atualiza o anti-vírus? Ao invés de tocar MP3, nós cantamos no chuveiro. A música não é tão boa quanto, mas é o preço que se paga para, ao invés de número de série, termos núme