Hoje é o segundo dia seguido de sol em Curitiba. Alguma coisa está errada. Não é um sol qualquer, aquele tímido que aparece entre nuvens (geralmente várias), é um sol soberano, isolado, só não diria solitário porque ele deve até estar precisando de um ou dois dias sem companhia, para pensar na vida, fazer os planos para o novo ano.
Sempre prometi que quando um dia como este surgisse sairia andar pela cidade. Não sei se vai dar, sabe como é, estou curtindo minhas férias e andar dá muito trabalho, mas se eu sair vou passar protetor, prometo. Com trinta anos de idade, não dá para brincar de camarão. Além do que, seria ridículo. Onde foi que você se queimou deste jeito, em Guaratuba, Camboriú, Itapoá? Não em Curitiba. Me Internariam no ato.
Talvez eu pegue o carro e saia passear por aí. Tem ar condicionado, músicas que eu gosto e o principal, só preciso passar protetor no braço esquerdo, o que dá uma boa economia. Claro que se fizer a conta direitinho, a economia do protetor não banca o gasto com gasolina, mas tudo vale como desculpa para não sair andar, afinal, preguiça faz parte das férias.
Tarde demais, minha esposa já está na porta do quarto vestida com sua roupa de ginástica. Tenho que pensar rápido. O que poderia tirar esta idéia maluca da cabeça dela? Peraí, faz um bom tempo que estamos combinando de descer a serra da Graciosa para comer um barreado em Morretes. Gênio!
- Querida, que tal descermos a Graciosa e...
- Barreado em Morretes? Ótimo! Faz um tempão que estamos combinando e nunca dá certo.
E correu trocar de roupa. Gênio ao quadrado. Batalha vencida, máquina fotográfica esquecida, informações de como chegar lá tomadas, fomos. Obviamente esqueci do protetor no braço esquerdo, de modo que ao chegar em Morretes ele estava vermelho. Já viu camarão inteiro desbotado com exceção de uma das patas? Nem eu, por isso não vou fazer a comparação, mas ficou ridículo. E ardido. Para evitar maiores problemas, gastei um tubo de protetor no corpo todo, pois ao meio-dia mesmo o sol do estacionamento até o restaurante parecia assustador. Acho que ele já tinha planejado o ano e decidiu infernizar a vida dos mais descuidados.
Comemos o tradicional barreado de Morretes, bom como sempre, barato como sempre e mortal como nunca. Devia ser proibido servir este prato em dias como este. Não tenho dúvidas que existe todo um mundo de apostas entre garçons e garçonetes de restaurantes de barreado.
- Olha, aquele ali já está no terceiro prato, vai desmaiar antes de pagar a conta. Cincão, alguém?
Para aproveitar a viagem, apesar dos meus protestos, fomos andar pela cidade e visitar as lojinhas de artesanato. São todas exatamente iguais e com as mesmas coisas, mas entramos em todas, uma por uma. Quando finalmente entramos no carro tínhamos uns três pacotes de bala de banana, uma garrafa de pinga com sabor de alguma coisa, uns quadrinhos e imãs de geladeira. Voltamos para casa, os mesmos noventa quilômetros da ida.
Como resultado da minha idéia preguiçosa e genial acabei gastando mais protetor solar do que qualquer ser humano normal em um dia, dez vezes mais gasolina do que se tivesse ido dar uma voltinha de carro, andamos o triplo do que se tivéssemos saído para andar e ainda por cima ganhei um braço de camarão. Xinguei tanto o sol por causa disto que ele já está se escondendo atrás das nuvens novamente. Tudo volta ao normal por aqui. Vou sentir falta deste dia quando estiver esticado no sofá olhando a chuva.
O pai chegou em casa cedo naquele dia. O pequeno estava na sala, com alguns amigos que tinham vindo com ele do colégio para brincar de videogame. A mais velha estava no quarto, com alguns amigos que não tinham vindo com ela do colégio, batendo papos virtuais. A mãe estava no banho. O cachorro em todos os lugares. Chovia lá fora. Como as crianças já estavam cansando de matar monstros e fazer curvas impossíveis, o pai resolveu contar uma história. Atividade antiquada essa de contar histórias, com a TV desligada, onde já se viu. Mas não demorou muito para o pequeno e seus pequenos colegas vidrarem seus pequenos olhos no pai, mal respirando. Era sobre um ser que viveu aqui por essas paradas, há muito tempo. Um ser verdadeiramente iluminado. Apesar de não ser humano, era amigo de todos. Cada vez que ele aparecia para uma visita, nem que fosse breve, todos se alegravam. Ele inspirava planos, sonhos, música. Enquanto o pai contava, a filha mais velha se juntou à gangue. Ouviu o silêncio
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