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Mostrando postagens de 2015

Silêncio

Dois mil e quinze foi o ano dos meus quarenta anos. Não deve ser isso, mas coincidentemente foi nesse ano que me dei conta de um negócio. E é um negócio importante. Precisamos de mais silêncio, urgente! Oscar Wilde, no brilhante texto de O retrato de Dorian Gray , em uma passagem na qual o personagem principal não conseguia parar de falar e se exibir, cometeu a pérola “Como todas as pessoas que tentam esgotar um assunto, ele esgotava os seus ouvintes”. Estamos numa época em que os jantares sociais, pomposos, barulhentos e perigosos foram substituídos pelas redes sociais, com exatamente as mesmas características. Não tem o jantar, mas tem as fotos dos jantares. Não tem a bebida, mas tem as fotos e os comentários sobre as bebidas. Os exibidos e insuportáveis não se encontram ao vivo, mas são igualmente exibidos e insuportáveis. Esse ano foi especialmente desafiador para qualquer um que insista em permanecer online. Aconteceu muita coisa ruim no mundo, especialmente no Brasi

Um presente para o futuro

Certa feita estava assistindo a uma palestra do economista Eduardo Giannetti, grande autor de livros que versam sobre temas dos mais variados, como o genial “Auto-Engano”, sobre nossa capacidade de mentir para nós mesmos para tornar nossa vida mais fácil, e potencialmente menos produtiva. Na palestra, que não tinha nada que ver com o livro citado (só o fiz porque realmente gosto da obra), ele soltou uma frase um tanto óbvia, mas tão precisa quanto um matemático russo, sobre o povo brasileiro, que nunca mais esqueci. Nada nos define tão bem como a frase “não estamos dispostos a sacrificar um milímetro do nosso presente em benefício de um futuro melhor”. Está aí, o povo brasileiro em uma frase. Brasileiro em geral não joga xadrez. Não porque é menos inteligente que outros povos, ou qualquer coisa que pensem por aí, mas jogar xadrez significa pensar pelo menos duas jogadas a frente, e nós estamos apenas preocupados em comer o peão que está diante de nós. Ou a peoa, para não pensare

Sobre chuva de sapos e um menino sírio

O cinema, como em muitas vezes, especialmente em situações complicadas, nos ajuda a entender o que acontece na vida de verdade. Boa parte das vezes nos levando aos extremos. Quem lembra do filme Magnólia, de1999, não deve ter se esquecido da famosa cena da chuva de sapos. O filme é uma coletânea de absurdos aos quais estamos acostumados e, de verdade, não achamos mais absurdos. A cena é o resumo perfeito de todo o resto do filme. Um dos personagens está dirigindo seu carro quando começa a chover sapos. O estranhamento dura poucos segundos, para logo em seguida as coisas voltarem ao normal. Sem sustos, sem questionamentos. Estamos anestesiados. O oposto total é belamente retratado no filme A espera de um milagre, curiosamente do mesmo ano de 1999. O personagem de Michael Clarke Duncan é um presidiário no corredor da morte, falsamente acusado de assassinar duas crianças, e supostamente com poderes sobrenaturais, especialmente o de cura. Em uma explicação muito tosca, ele é uma

Uma frase todo dia

Existem pelo menos dois filtros importantes entre o que um escritor sente e o que ele coloca no papel. Os grandes escritores são os que conseguem transpor esses dois filtros, quase como se eles não existissem. Imagine que você está embalando seu filho no parque da praça, ou observando um grupo de amigos na mesa ao lado no restaurante, ou ainda vendo uma moça triste sentada na janela do ônibus, indo para o trabalho. Essas cenas te inspiram e trazem uma sensação muito cristalina de que algo deve ser escrito. Você sabe exatamente o que, por um milésimo de segundo tem a certeza de que vai escrever a melhor coisa da tua vida. É aí que o primeiro filtro entra em ação. Como sabe que aquele sentimento é altamente fugaz, racionaliza-o para ficar mais fácil de memorizar. É como se estivesse digitalizando uma imagem para poder guardar no seu HD. Por melhor que seja o scanner, a imagem digitalizada será sempre menos nítida, menos vívida, mais limitada, menor do que a imagem real. Aí caímos no seg

Damien

Muita gente conhece o Damien Rice, ou até mesmo virou fã do cara por conta da Blower´s Daughter, música do disco “O” que aparece no filme Closer. É dos raros casos em que a turma lembra mais da música do que do filme, apesar de ser um filmaço. Para piorar, alguns não o conhecem, mas adoram a música na sua lamentável versão em português, desgraçadamente chamada “É isso aí”, gravada por Seu Jorge, Ana Carolina ou sei lá quem diabos. Para quem, apesar de gostar de Blower´s Daughter, acha que Damien Rice tem mais café no bule, a espera para o lançamento de um novo álbum acabou. Oito anos depois do lançamento de “9”, o cara acaba de lançar seu terceiro disco de estúdio “My Favourite Faded Fantasy”. Produzido pelo doidão barbudo Rick Rubin, não dá para dizer que não valeu a espera. O disco é bom e deve acalmar os pacienciosos fãs do irlandês. O problema é que se esperava mais do cara, e algumas coisas se perderam nestes 8 anos de semi-reclusão. O álbum tem poucas canções, oito no

João

E tem o João, que era representante de uma empresa que representava materiais e equipamentos elétricos e de automação de outra empresa bem maior, e francesa. A francesa não tinha unidade aqui na região, e escolheram a empresa do João para representa-los. Para ser bem honesto, eu não gostava muito do João. Eu era cliente dele, mas achava ele muito bola murcha, se é que ainda existe essa expressão. Devagar mesmo, pouca energia. E um pouco reativo também, do tipo que não assume a responsa de muita coisa e faz aquela cara de “o que é que eu posso fazer?” No final das contas, eu estava errado. Era preconceito porque ele não era igual a mim. Onde já se viu não ser igual a mim? Um dia eu estava de férias, como eventualmente a gente fica, em uma cidade do litoral chamada Itapoá. Não tinha nada lá, à exceção da pousada em que estávamos, casas, terrenos vazios, alguns restaurantes e um centrinho bem desprovido. Ah, e tinha uma farmácia. E foi lá que a coisa complicou. Minha esposa comprou