Pular para o conteúdo principal

Silêncio


Dois mil e quinze foi o ano dos meus quarenta anos. Não deve ser isso, mas coincidentemente foi nesse ano que me dei conta de um negócio. E é um negócio importante. Precisamos de mais silêncio, urgente!

Oscar Wilde, no brilhante texto de O retrato de Dorian Gray, em uma passagem na qual o personagem principal não conseguia parar de falar e se exibir, cometeu a pérola “Como todas as pessoas que tentam esgotar um assunto, ele esgotava os seus ouvintes”.

Estamos numa época em que os jantares sociais, pomposos, barulhentos e perigosos foram substituídos pelas redes sociais, com exatamente as mesmas características. Não tem o jantar, mas tem as fotos dos jantares. Não tem a bebida, mas tem as fotos e os comentários sobre as bebidas. Os exibidos e insuportáveis não se encontram ao vivo, mas são igualmente exibidos e insuportáveis.

Esse ano foi especialmente desafiador para qualquer um que insista em permanecer online. Aconteceu muita coisa ruim no mundo, especialmente no Brasil, e todo mundo resolveu que tinha opinião para dar sobre tudo. E foi aí que a coisa degringolou. A grande maioria das pessoas que estão em redes sociais, não cresceram sabendo lidar com crises graves e estão completamente perdidas. É uma bobagem atrás da outra, todas defendidas com uma paixão que se fosse colocada a serviço de resolver problemas, seriamos o melhor país do mundo.

Nos recentes episódios dos ataques terroristas simultâneos em Paris deu para perceber claramente do que estou falando. Quem colocou a bandeira francesa na foto do perfil do Facebook foi questionado sobre seu patriotismo, uma vez que não fez o mesmo com a bandeira do Brasil depois do desastre em Minas Gerais, que ocorreu mais ou menos na mesma época. Como assim? Desastre tem nacionalidade? Tenho certeza que 99% destes imbecis não moveram uma palha para ajudar os conterrâneos, mas é legal xingar, contrariar, questionar. Essa é a nova ordem.

Você pode até perguntar, mas por que não sai das redes sociais se isso te incomoda tanto? Bom, tenho todas aquelas desculpas mequetrefes de quem não quer sair das redes sociais. Juro que se resolvesse eu saia, mas a coisa já foi além. Gostamos da brincadeira, agora temos opinião não solicitada sobre tudo em qualquer lugar, a qualquer momento, não apenas online. Mesmo quando não temos um histórico favorável no assunto, e nem moral alguma para abrir a boca.

Foi exatamente o que aconteceu hoje. Uma grande amiga chegou em casa transtornada, pois está enfrentando um problema gigante e quando juntou as pessoas que teoricamente a ajudariam a acalmar a cabeça, levou bordoada atrás de outra. Um discurso teórico de quem não passou nem perto do que ela está passando. Sintomático. A cara do Brasil de hoje. Se não é com você, soca a bota. Dá tua opinião. De preferência com raiva, com beligerância máxima, que é para esconder a sua estupidez.


Veja bem, quem está escrevendo isso não é necessariamente um cara quietão, em cima do muro, sem opinião forte sobre as coisas. Pelo contrário, cumpro muito bem a minha cota verbal, sempre tive aquela necessidade terrível de deixar tudo muito bem explicado, claro como o céu sem nuvens, muito parecido com o personagem clássico de Wilde. Claro que com o tempo você vai percebendo cada vez mais o valor do silêncio, e isso pode estar influenciando a minha percepção sobre o que foi 2015 no Brasil, mas dá uma passada lá no “Face” agorinha mesmo e me diz se estou viajando.

Comentários

Unknown disse…
Ouvir os dois lados da moeda sempre é mto bom. Feliz 2016!!!!

Postagens mais visitadas deste blog

Macallan ou Momentary Lapse of Reason?

  Tudo é velho agora. Eu tenho rolhas de vinhos que tomei esses dias, datadas de 15 anos atrás. Livros de 2006 que ainda não li, datados também, com meu nome em cima. Tenho filhos grandes, alguns empregos no currículo, lembranças que se confundem. E me confundem. Acho que datados não são os livros, ou as rolhas de vinho. Datado sou eu. Mas não me sinto assim, o que provavelmente é bom. Ou talvez patético. Fiz uma tatuagem nova outro dia. A tatuagem é nova, os temas antigos. Bandas que gosto há mais de 30 anos, um livro que escrevi há mais de 10. Tudo é velho agora. Os souvenires, os quadros, os móveis e principalmente os uísques. Os uísques são muito velhos, mas já foi-se o tempo em que todos eram mais velhos que eu. Hoje em dia nem todos, só os melhores. Talvez esse seja o segredo, ficar datado como os melhores uísques, não como os piores discos. Envelhecer, sei lá, mais como um Macallan do que como o Momentary Lapse of Reason. Falando em Momentary Lapse o Reason, o Pink Floyd

Nuke

Eu devia ter uns 12 anos quando o programa Fantástico, da Rede Globo, mostrou um especial sobre as possíveis consequencias à população de uma guerra nuclear, à epoca iminente. Isso foi muito antes de eu abandonar de vez a Rede Globo, mas com certeza ajudou na decisão. Aquela cena me marcou muito, para não dizer aterrorizou profundamente. Talvez só a participação do Minotauro no sítio do pica-pau amarelo tenha chegado perto na categoria “vamos deixar essa criança sem dormir por uns dias”. E não estou usando da força de expressão aqui. De fato fiquei meses sem dormir direito. Com dois irmãos mais novos, todos dormindo no mesmo quarto, eu era o que tinha a cama perto da janela. A rua que passava ao lado do nosso quarto era de paralelepípedos. Todos os dias, perto das 11 da noite (madrugada para uma criança – sim, com 12 anos ainda éramos crianças então), o caminhão de lixo passava por ali, com aquele barulhão característico dos caminhões de lixo, amplificado pelo efeito trepidante dos p

História de fim de dia

O pai chegou em casa cedo naquele dia. O pequeno estava na sala, com alguns amigos que tinham vindo com ele do colégio para brincar de videogame. A mais velha estava no quarto, com alguns amigos que não tinham vindo com ela do colégio, batendo papos virtuais. A mãe estava no banho. O cachorro em todos os lugares. Chovia lá fora. Como as crianças já estavam cansando de matar monstros e fazer curvas impossíveis, o pai resolveu contar uma história. Atividade antiquada essa de contar histórias, com a TV desligada, onde já se viu. Mas não demorou muito para o pequeno e seus pequenos colegas vidrarem seus pequenos olhos no pai, mal respirando. Era sobre um ser que viveu aqui por essas paradas, há muito tempo. Um ser verdadeiramente iluminado. Apesar de não ser humano, era amigo de todos. Cada vez que ele aparecia para uma visita, nem que fosse breve, todos se alegravam. Ele inspirava planos, sonhos, música. Enquanto o pai contava, a filha mais velha se juntou à gangue. Ouviu o silêncio