Certa feita estava assistindo a uma palestra do economista
Eduardo Giannetti, grande autor de livros que versam sobre temas dos mais
variados, como o genial “Auto-Engano”, sobre nossa capacidade de mentir para
nós mesmos para tornar nossa vida mais fácil, e potencialmente menos produtiva.
Na palestra, que não tinha nada que ver com o livro citado (só o fiz porque
realmente gosto da obra), ele soltou uma frase um tanto óbvia, mas tão precisa
quanto um matemático russo, sobre o povo brasileiro, que nunca mais esqueci.
Nada nos define tão bem como a frase “não estamos dispostos a sacrificar um
milímetro do nosso presente em benefício de um futuro melhor”. Está aí, o povo
brasileiro em uma frase.
Brasileiro em geral não joga xadrez. Não porque é menos
inteligente que outros povos, ou qualquer coisa que pensem por aí, mas jogar
xadrez significa pensar pelo menos duas jogadas a frente, e nós estamos apenas
preocupados em comer o peão que está diante de nós. Ou a peoa, para não
pensarem bobagem, outra coisa que adoramos. Não temos paciência, somos
imediatistas. Somos sensitivos e não intuitivos. Isso, claro esteja, em geral,
mas é o geral que nos define, não é mesmo?
Mãe e filha, algumas décadas atrás, se juntaram para estudar
Karl Jung, pode uma coisa dessas? Estavam tentando entender melhor as pessoas
para organizá-las melhor nas atividades do dia-a-dia durante a segunda guerra,
e concluíram que estudar o discípulo de Freud seria um bom começo. Os homens
tinham ido à luta e elas precisavam se organizar melhor. No final das contas
entenderam Jung e criaram um sistema de avaliação do tipo psicológico humano
chamado MBTI (Myers-Briggs) type indicator, ou indicador de tipo psicológico da
Myers e da Briggs. As danadas deram um jeito, como boas americanas, em resumir
os extensos volumes de Jung em um sistema de 4 letrinhas que contam muito bem
como você funciona. Eis que a segunda letrinha pode ser S ou N, Sensação ou
iNtuição. Basicamente (desconto máximo por favor, pois é um leigo não psicólogo
escrevendo sobre Jung e afins) essa letra define o modo como percebemos o
mundo. O Sensitivo precisa, como São Thomé, ver para crer. Não adianta explicar
um negócio para o Sensitivo, ele tem que tocar, experimentar, ver, respirar. Só
enxerga o que está na frente dele. Já o iNtuitivo tem a visão além do alcance,
enxerga lá na frente. Não precisa provar o pudim para gostar do pudim. Tem
vantagens e desvantagens ser um ou outro, claro, como tudo na vida. Desconfio
seriamente que coletivamente somos Sensitivos, os brasileiros. We want it all,
and we want it now!
Esse nosso jeitão, por assim dizer, nos torna alvos fáceis
do que o grande Peter Senge, em seu ainda maior livro “A Quinta Disciplina”
chamou de arquétipo da “Transferência de Responsabilidade”. Funciona assim,
você tem um problema, com um sintoma, e usa uma solução de curto prazo para
corrigi-lo. Isso produz resultados imediatos aparentemente positivos. Parece
estar tudo certo, uma vez que o sintoma desaparece, ou diminui
consideravelmente, mas a causa do problema ainda está lá. Quanto mais aplicamos
esta solução, menos nos preocupamos em utilizar medidas de longo prazo,
definitivas, para resolver a causa do problema. Com o tempo, nossas habilidades
para encontrar a solução fundamental vão se atrofiando, o que nos força ainda
mais a usar as soluções paliativas. O problema cresce, como todo problema mal
abordado, até ser tarde demais.
Ora, se somos ansiosos por prazer imediato, não sacrificamos
o presente para ganhar no futuro, só enxergamos o que está diante do nosso
nariz, e isso é o que interessa, dificilmente conseguimos fugir da espiral
negativa da “Transferência de Responsabilidade”. E é aí que a gente dança.
Se levarmos essa questão para a esfera política a coisa
complica ainda mais. Somado a esse nosso modo de ser, existe o efeito perverso
do mandato de 4 anos, do sistema eleitoral. Além de não ser bom em enxergar as
próximas 3 ou 4 jogadas à frente, eu não quero enxergar, pois já estaria falando
de colher benefícios na próxima gestão. E a próxima não é a minha. E o que
interessa sou eu, não quem me elegeu. Para citarmos um exemplo contemporâneo
(estou escrevendo isso em setembro de 2015), esse aumento de impostos no auge
de uma crise econômica, das piores das últimas décadas, é a medida típica do
“resolve o agora e rifa o futuro”. E não estou falando de um futuro distante.
Tenho um rombo no orçamento, forço o povo a pagar mais, arrecado mais, cubro o
rombo. Faz sentido né? Sim, se você ainda não leu o prefácio do volume 1 do
livro básico de economia. E estamos falando de um cara que conhece o negócio.
Ou seja, nosso jeito de ser somado ao jogo político nos joga em uma esfera onde
até o mais básico é jogado no lixo. Essa é a fonte da nossa burrice coletiva.
Não uma burrice intelectual, ligada ao QI, mas uma burrice operacional,
processual. Temos pessoas inteligentes operando um processo torto. Não existe
jeito certo de fazer a coisa errada.
Tem uns tipos por aí com saudades da ditadura militar. O
principal argumento é que naquela época foram criadas as maiores empresas do
país (estatais, algumas das quais hoje envolvidas em alguns escândalos que
estão dando Ibope), as maiores estradas, portos, etc. Pensa um pouco, os
militares tinham tanta certeza que permaneceriam para sempre no poder que era
fácil pensar em investir a longo prazo. Não precisariam deixar seu legado para
ninguém, pois não existiria ninguém depois deles. Cuidado, o fato de os
militares terem perseguido quem hoje está no poder, não significa que é o
oposto perfeito de quem lá está. Nada contra militares, que fique bem claro, só
cuidado com o que você deseja.
O que estou tentando dizer com essa história toda é que
podemos reclamar a vontade, e temos que reclamar (e de preferência dar um jeito
nestes loucos que estão acabando com o país), mas uma vez mais, trocar quem lá
está seria apenas a solução de curto prazo (e na minha opinião ela deveria ser
tomada sim), mas para provar que aprendemos a lição, que estamos desenvolvendo
a capacidade de pensar pelo menos duas jogadas à frente, teríamos que ser
capazes de sacrificar um pouco o presente em prol do futuro. Como? Elegendo
quem está disposto a perder alguns votos baseados em paternalismo, mesmo com o
risco de perder as eleições, em favor de um plano de verdade. Esse nós nunca
tivemos.
Comentários
Como esperarmos resultados diferente agindo da mesma forma a seculos.