Fui bom enquanto durei. Mais oito páginas e eu acabaria o livro que estava lendo, mas não deu tempo.
Ela é muito diferente de como a descrevem por aí. Parece muito com um taxista gordo e tagarela que vai te conduzir através da cidade. Só que desta vez não era através da cidade. Como fiquei com medo de que meu enjôo de andar no banco de trás tivesse passado comigo desta para melhor (ou de pior para esta, sei lá como é que falam por aqui), sentei no banco da frente, ao lado da motorista. Sempre gostei de um bom papo com motoristas de táxi gordos e tagarelas, coisa que deixava minha esposa perplexa. E de saco cheio. Desta vez não foi diferente. E, acredite, a morte tem muita história para contar. Escutei pacientemente cada uma delas, fazendo todos os sons que indicassem interesse e compreensão. E as histórias duraram uma eternidade – sem gozação. Fiquei na dúvida se estava a caminho do inferno ou se já tinha chegado. Comecei a pensar se era possível morrer duas vezes. Se fosse me jogaria pela janela, ali mesmo, nem que ainda estivéssemos pelas redondezas do purgatório. Aguentei firme.
Quando já havia perdido minhas esperanças de ter um minuto de sossego da falação de meu algoz desembestado, ela me olhou, com aqueles olhos esbugalhados, e perguntou sobre o livro que eu estava lendo antes dela me pegar para dar uma volta. Uma lufada de esperança me atingiu em cheio e comecei a contar. O tempo sempre voa quando você está contando algo. Aparentemente não para o taxista gordo e tagarela, nossa infame motorista. Quem diria, eu nem tinha acabado de explicar o primeiro capítulo e ela já estava procurando um retorno. No meio do segundo, já estava chegando na terra. Antes de começar um relato detalhado do terceiro capítulo, ela estava me largando em casa. Como toda tagarela, não tinha nenhuma paciência para escutar. Eu que lesse as últimas oito páginas e esperasse para morrer no turno de outra. Antipática.
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