A lua, que estava pela metade, já ia alto ao céu quando o telefone tocou. Ele sabia que não deveria ser nada, pois todos que ele ama estavam ao alcance das suas mãos. Mesmo assim sua espinha gelou, reflexo de outros tempos. Atendeu por engano da curiosidade e se arrependeu. Do outro lado, um silêncio não identificado, como todo silêncio. Desligou desconfiado e esperou o telefone tocar novamente. Não tocou.
Três dias depois, no mesmo horário, toca o telefone novamente. Tinha se esquecido de desligá-lo e, como curiosidade é seu ganha-pão, atendeu. Mais uma vez, o silêncio incômodo. Xingou e foi dormir. Sua mulher resmungou alguma coisa sem acordar.
Era professor e trabalhava em um laboratório da universidade. Nem ele sabia explicar direito o que estava pesquisando, mas era importante. Talvez para alguma outra geração. E tinha que ver com inteligência artificial e modelos matemáticos complicados, que só uma inteligência humana superior poderia criar. Não se preocupava com este paradoxo.
Já faziam nove dias do último telefonema quando, no mesmíssimo aborrecido horário, o telefone tocou novamente. Começou a ficar preocupado. Sua mulher também. Preocupada e desconfiada. Foi trabalhar no horário de sempre e comentou com os colegas, que basicamente ignoraram o comentário. Estavam muito ocupados testando suas hipóteses científicas que um dia, se Deus quiser, servirão para alguma coisa. Ué, quem foi que disse que cientista não acredita em Deus?
Três ou quatro dias se passaram até que ele pudesse dormir relaxado novamente. Sempre desconfiado, mas agora relaxado. A vida corria bem, sua pesquisa avançava a passos largos, tinha tido até tempo de tirar uns dias no litoral com a patroa quando, vinte e sete dias exatos da última chamada madrugueira silenciosa, novamente o telefone tocou. Desta vez ele gritava com o aparelho, quem é você, o que quer de mim, fique longe da minha família seu desgraçado. Suava frio. Sua esposa estava começando a perder o controle. Chamou a polícia, que educadamente ignorou-o. Sabia que o telefone não tocaria no dia seguinte, mas não sabia quando voltaria a atormentá-lo. Não conseguia desligar o aparelho durante a noite, pois como já falamos, curiosidade, que é seu ganha-pão, é também agora seu tormento.
Saiu mais tarde para o trabalho desta vez. Uns vinte dias já iam da última ocorrência. Não dormia mais à noite, estava em um estado lastimável. Comia mal, tomava banho somente quando sua filha não queria mais chegar perto e os trabalhos de pesquisa não saiam do lugar.
Parou para tomar um café na padaria da esquina quando a ficha caiu. Três, nove, vinte e sete, os telefonemas vinham em progressão geométrica de três. Quando chegou ao laboratório encheu o Carlos de cascudos. Essas brincadeiras matemáticas já tinham passado do limite e além do mais, progressão geométrica é coisa de colégio.
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