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Se não fosse o cincão ...

Os arpejos de mamãe me levaram ao suicídio. Ô velha estridente. Minha vida era boa até, meio sem sal, mas boa. Só não dava para aguentar a gritaria que ela fazia o tempo todo. Como ainda faltava muito para ter condições de sair de casa, resolvi encurtar o caminho. Ainda era virgem, não tinha feito grandes males a ninguém, respeitava meus pais, não fumava, não bebia e não torcia pro Flamengo. Pela minhas contas, com exceção do pecado de tirar minha própria vida, tinha boas chances de escapar das Trevas. No máximo um breve estágio pelo Purgatório, mas como tinham acabado de decidir que este não existia mais, minhas chances de ir direto para o Paraíso eram altas. Comprei um tubo de veneno para ratos e mandei bala.

Ferrou, vim parar direto no caldeirão do chifrudo. Aparentemente aquele cincão que eu roubei da caixinha da cozinha semana passada é que desempatou o embate entre Deus e meu atual chefe. Este relato é breve pois os intervalos aqui são muito curtos e extremamente vigiados. Falar que o calor é infernal só prova meu péssimo gosto para piadas, pois este é um fato sabido. Tem muita gente aqui, a maioria em condições bem piores do que a minha. Gente de grandes delitos, de coisas incontáveis. Uma vez por semana podemos comer alguma coisa. Como estou no estágio mais light de todos, consigo fazer boas refeições semanais. Sempre sobra um dedinho ou um tornozelo, às vezes, com muita sorte, um pedaço da coxa. Não existe hora de dormir, mas também não existe sono. Vou levando, foi só uma questão de acostumar.

Mesmo assim não perco as esperanças. Quem sabe quando a velha bater as botas e cair por aqui, me dêem razão de ter me matado. Isso aqui vai virar um Inferno.

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