Por aqui as coisas são diferentes. Se os pássaros migrarem para o sul no inverno, morrem congelados. Por aqui, se você pedir um cookie, vão te dar um cuque, de uva ou de banana. Se for em Santa Catarina ainda vão corrigí-lo, dizendo que é cuca e não cuque. Querido pai: você me perguntou recentemente por que eu afirmo ter medo de você. Respondo: por que você não é daqui. Se fosse saberia de tudo isso e mais, por aqui a gente gosta mais de bunda do que de peito, nosso futebol é de fato jogado com os pés (ao contrário do americano e do argentino) e esqueceram de contar para o pessoal do McDonald's local a tradução de fast food. Nosso senso de direção é péssimo; norte, sul, leste e oeste não significam muita coisa para nós. Por aqui a bala é perdida, e geralmente encontrada na cabeça de um inocente, e geralmente naquela cidade maravilhosa cheia de favelas. Você não tem a menor ideia do que seja uma favela, mas adora ver filmes sobre elas. Querido pai: você me perguntou recentemente por que eu afirmo ter medo de você. Respondo: tenho medo de você porque você acha bonito ter medo daqui. Quando vier, não esqueça de me visitar, se eu já não tiver migrado para o sul.
Eu não sou exatamente um cara místico, que acredita muito em que tudo acontece por um motivo e tal. Ou pelo menos não era até ter meu filho e começar a me aproximar da meia idade. Agora, de verdade, meu velho ter perdido a hora no meu primeiro dia de aula em um novo colégio sempre fez meu ceticismo cair de joelhos, por assim dizer. Explico. Meu velho nunca perde a hora. Pelo contrário, a hora é que perde ele. Sempre agitado, ligadão, a mil por hora, quais eram as chances dele dormir demais no primeiro dia de aula de dois dos seus três filhos no colégio novo? Bom, alguma chance deveria ter, pois foi o que aconteceu. E esse pequeno deslize foi o que salvou a minha vida, sem exageros. Como cheguei atrasado, as carteiras próximas aos meus colegas do antigo colégio já estavam todas tomadas. Sobrou um lugar do outro lado da sala de aula, bem no meio de três figuras lendárias da cidade. Para um piá de prédio, patologicamente tímido, vindo de um colégio de filhinhos de papai, sentar no meio ...
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