Pular para o conteúdo principal

Da gestação à digestão

Nunca vou esquecer do carneiro do Zeco. Quando meu irmão ainda era estudante de medicina e morávamos juntos em um pequeno apartamento na Desembargador Motta, eu acompanhava os estudos dele e de seus colegas madrugada adentro. Como prêmio de participação, eles me convidavam para os churrascos da turma. Ao contrário da maioria dos churrascos de turmas de universidade, os da turma do meu irmão não eram uma desculpa para beber, quer dizer, não só para beber. O ponto alto era quando tinha o carneiro do Zeco.

Não era qualquer carneiro. Segundo o próprio Zeco, um garoto do interior do Paraná, que tinha vindo para estudar em Curitiba, como a maioria dos garotos do interior do Paraná com algum dinheiro, ele acompanhava a vida do carneiro da gestação à digestão. Conhecia os bichinhos pelo nome, sabia quem era o pai, quem era a mãe e quem eram os irmãos, geralmente os próximos da fila. Ele fazia questão de sacrificá-los com as próprias mãos. Achava que era uma questão de respeito. Limpava, cortava, temperava e assava, sozinho, odiava que oferecessem ajuda. O carneiro era dele e ninguém punha a mão, só os dentes.

E nessa hora percebia-se que todo este cuidado era justificado. Nunca comi carne mais saborosa na minha vida toda. Depois da formatura acabei não encontrando mais o Zeco, e obviamente não sendo mais convidado para eventuais churrascos, mas cada vez que como carneiro em algum lugar, lembro daquela época. Quando o filho do Zeco entrar para a faculdade, vou dar um jeito de me enturmar.

Comentários

Nossa, esse carneiro deve ser "o que há", né??
Também quero me enturmar!
Anônimo disse…
Hummmmm! Zeco! vc ainda faz esse carneiro???
Anônimo disse…
Saudades...

Postagens mais visitadas deste blog

Seagazer

Como ser humano assumida e eternamente perplexo com a grandeza e as maravilhas do oceano, sempre percebo quando estou diante de um semelhante. Nós, os Seagazers , somos facilmente reconhecíveis. É só prestar atenção aos braços largados ao lado do corpo (ou as mãos dadas atrás das costas, uma variação que, à exceção do físico prejudicado e do fato de não usarmos sungas vermelhas, pode faze-lo nos confundir com salva-vidas prontos para a ação), ao olhar fixo no horizonte oceânico, às pernas um pouco espaçadas e a uma leve inclinação a sair nadando até desaparecer. No meu caso específico – pois não sou um porta-voz da nossa espécie, ou algo do tipo – se tiver um par de fones brancos no ouvido, com, por exemplo, Stargazer (um tipo mais conhecido mas não menos esquisito de Gazer ) do Mother Love Bone tocando, ainda melhor. Pode ser também a Oceans do Pearl Jam . Hoje, curtindo o último dia de férias na praia, descobri um novo membro do nosso seleto grupo de lunáticos. Meu filho. Ele te...

O nome do longo hiato

Tenho agora algo em torno de doze leitores assíduos. É demais para a minha cabeça. Esse negócio está fugindo do controle. Antes eram apenas minha doce esposa, minha sogra, meu pai e meu irmão mais novo. Estava tudo sob controle. Agora que tem outros oito, me sinto na obrigação de justificar o longo hiato entre o último texto e este, e entre este e os próximos, que provavelmente será tão longo quanto. A justificativa tem seis meses, nove quilos, o primeiro dente e responde por filhão ou gorducho, só que deste último ele não gosta muito. Falando nele, vai aí uma dica de veterano para aqueles que tem filhos de cinco, quatro, três, dois ou um mês, mais conhecidos como calouros. Tudo o que te disseram sobre os nenéns - perceba, eu não disse quase tudo, ou muito do que, ou a maioria, eu disse TUDO - é mentira ou não se aplicará ao seu. Só para dar um exemplo, um colega de trabalho me disse categoricamente que as cólicas, quando existem, acabam como que num passe de mágica no exato momento ...

Despertadores

Eu não sou exatamente um cara místico, que acredita muito em que tudo acontece por um motivo e tal. Ou pelo menos não era até ter meu filho e começar a me aproximar da meia idade. Agora, de verdade, meu velho ter perdido a hora no meu primeiro dia de aula em um novo colégio sempre fez meu ceticismo cair de joelhos, por assim dizer. Explico. Meu velho nunca perde a hora. Pelo contrário, a hora é que perde ele. Sempre agitado, ligadão, a mil por hora, quais eram as chances dele dormir demais no primeiro dia de aula de dois dos seus três filhos no colégio novo? Bom, alguma chance deveria ter, pois foi o que aconteceu. E esse pequeno deslize foi o que salvou a minha vida, sem exageros. Como cheguei atrasado, as carteiras próximas aos meus colegas do antigo colégio já estavam todas tomadas. Sobrou um lugar do outro lado da sala de aula, bem no meio de três figuras lendárias da cidade. Para um piá de prédio, patologicamente tímido, vindo de um colégio de filhinhos de papai, sentar no meio ...