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Osaka e o trem bala

O gongo bateu na lateral da locomotiva e nenhum passageiro arriscou um piu. Estavam todos excitados e apreensivos ao mesmo tempo. Todos tinham na cabeça apenas as palavras dangan ressha, o trem bala. Tóquio não estava em seus melhores dias, o céu nublado e o ar pesado indicavam chuva, o que aumentava a apreensão.

Dentre alguns convidados para o passeio inaugural estava o senhor Osaka, acompanhado de sua esposa Yasu. Ao contrário dos outros passageiros, senhor Osaka não estava apreensivo com a viagem, estava de saco cheio com mais este compromisso político. Faltavam apenas dez dias para a abertura das olimpíadas e ele, um dos principais organizadores do evento, ainda tinha muito trabalho pela frente. Estamos no dia primeiro de outubro de 1964, dia do aniversário de Yasu. Ela não quis nenhum presente, não quis jantar fora, seu único pedido foi que seu marido aceitasse o convite para a inauguração. Ele nunca deixaria de atender a um pedido de Yasu, que era calma só no nome, e dava um baile em Osaka.

Estava tudo arrumado segundo a tradição. As bandeirinhas, as velas, as gueixas e o gongo, tudo em seu lugar. Quando um homem do tamanho de um lutador de sumô e com cara de quem comeu domburi estragado bateu o gongo pela terceira vez, o trem partiu.

A apreensão dos convidados transformou-se em emoção e, eventualmente, em embrulho de estômago. Yasu dava gritinhos de alegria e não reparou que a indiferença de seu marido subitamente havia se transformado em pavor. Não era a velocidade do trem bala que o assustava, Osaka havia reconhecido dentre os passageiros uma figura que há tempos fingia ter esquecido.O que Kobe estaria fazendo ali? Quem o teria convidado? Osaka achava que nunca mais veria seu odiado irmão. Nascidos no mesmo dia, da mesma mãe, eram o que normalmente se chama de irmãos gêmeos, exceto pelo fato de que não se pareciam em nada um com o outro física ou espiritualmente. Tendo que esconder o espanto e restabelecer a calma, Osaka perguntou, “Kobe, quanto tempo?”. Também surpreso com o encontro, Kobe respondeu, “Osaka san, realmente faz muito tempo não é?”.

- Você pode dispensar as formalidades Kobe, somos irmãos, me chame simplesmente de Osaka.
- Você é quem manda irmão! Fiquei sabendo que está no comitê organizador dos jogos olímpicos. Meus parabéns!
- Obrigado! E você, o que anda fazendo desde que...
- Desde que o que irmão?
- Você sabe muito bem!
- Desde aquele dia tenho apenas me arrependido do que fiz, mas ainda não terminei.
- Ainda não terminou?
- Sim, de me arrepender. Mas estou quase, tudo depende de hoje. Estou aqui para pedir perdão Osaka, você acha que pode me perdoar?
- Você é realmente muito estranho Kobe. Acha que pode aparecer assim, do nada, e espera que eu esqueça de tudo?
- Não espero que você esqueça irmão, apenas me perdoe!
- Não posso Kobe. Não ainda.

Osaka acordou de um susto quando Yasu perguntou com quem estava falando. “Com ninguém Yasu, com ninguém!”.

Yasu soltava seu vigésimo gritinho, quando o trem parou em Shimonoseki, o destino final. Cada passageiro deveria voltar para Tóquio por conta própria, não existia o termo round-trip em japonês. Osaka ficou puto.

Comentários

Anônimo disse…
Esse texto tem duas grandes qualidades. A primeira é que vc levou o leitor a um universo distante, tanto no tempo quanto na geografia. Valeu a pesquisa, né? Daí, depois de tudo contextualizado, vc apresentou personagens que fugiram do estereótipo e se aproximaram dos arquétipos, que a gente se identifica mais por reconhecer experiências comuns e universais em qualquer lugar do planeta (conflito, perdão, etc). Tá no caminho, piá!
Anônimo disse…
Getting more and more interesting.....
Good for you!
Taty

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