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Até que a morte nos reúna


Essa semana foi a vez da tia Samira. No final das contas, esse negócio de morte é bastante democrático mesmo. Tem para todo mundo. Bom ou mau, bonito ou feio, e assim vai. Minha madrinha, que eu sempre chamei de tia, era na verdade minha tia avó, mas eu nunca via ela dessa maneira. Como o filho mais novo dela tem a minha idade, e eramos muito amigos, unha e carne, para mim ela sempre foi simplesmente a tia Samira. E essa semana ela zarpou.

Lutou uns 20 anos contra o câncer. Teimosa e briguenta, deu trabalho para o desgraçado, mas no final ele venceu. A gente acha conforto no fato de que ela descansou, mas vou te falar, foi foda perdê-la. Não que nós nos víssemos muito ultimamente, mas isso é um detalhe pequeno. Pode não parecer muito para quem olha de fora, mas eu amava muito aquela mulher.

Por uma sorte danada, ou arranjo do acaso mesmo, nos últimos meses eu a encontrei umas três ou quatro vezes. Tive a chance de levar meus pequenos para ela conhecer, tive a chance de levar um exemplar do meu livro para ela ler e, segundo relatos, rir e se emocionar. Enfim, tive mais chances do que merecia, e por isso sou profundamente grato.

Durante o velório, pelo menos umas cinco pessoas vieram me falar sobre o quanto ela me amava e tal. Eu sabia, pois ela sempre me dizia, mas ouvir de tanta gente me elevou a um estado de espírito inexplicável. De repente eu não estava mais simplesmente triste com a perda da minha madrinha querida, mas agradecido e lisonjeado por tê-la tido em minha vida.

Enquanto eu a carregava, junto com outros que a amavam, e que ela amava, lembrei-me de todos os momentos importantes que passamos juntos. São inúmeros para listar, mas sem dúvidas ajudaram a forjar minha personalidade e meus valores. No final, quando ela já estava enclausurada por pedras, tijolos e cimento, dei um abraço forte no meu primo e eterno "melhor amigo", mesmo que nossas vidas tenham se separado radicalmente. Um abraço que estávamos devendo um ao outro há muito. Cada um foi para seu lado, os parentes e amigos foram dispersando, o sol, desimpedido, castigando, a tristeza apertando e a tia Samira ali, para sempre, até que a morte nos reúna.

Comentários

Que texto lindo, Digo. Difícil colocar em palavras um dia como esse.
Maria Ercilia disse…
Texto emocionante Digo, foi difícil não chorar...

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