Pular para o conteúdo principal

A Caminhada

Antes do pequeno chegar, toda vez que íamos para a praia, minha querida e eu escolhíamos um dia para a caminhada. Na verdade caminhávamos todos os dias, mas um deles era reservado para "a" caminhada. Era uma caminhada definidora. Uma caminhada estratégica. Nela decidíamos o rumo da vida da nossa família, até então composta apenas por nós dois. Foi numa dessas caminhadas que decidimos que nossa família não seria mais composta apenas por nós dois. E o pequeno chegou.

Essa foi a decisão mais importante de todas, mas não foi a única tomada em nossas caminhadas na areia. Decidimos por construir uma casa ao invés de mudar de apartamento, decidimos que era hora de eu mudar de trabalho, decidimos viajar para o exterior algumas vezes e assim por diante. Bom, decidimos também ganhar na loteria, mas essa decisão até hoje não deu certo. Nem todas deram.

Agora, dois anos e três meses depois da chegada do pequeno, cá estamos novamente. Minha querida dorme ao meu lado enquanto escrevo e assim que ela acordar vamos voltar para casa, depois de 4 dias maravilhosos de lua de mel. Fomos caminhar algumas vezes, mas não fizemos plano algum. Não tivemos "a" caminhada. Fazem dois anos e três meses que descobrimos que a vida é no presente.

Ontem, saindo para jantar, minha querida me fez uma pergunta perturbadora. Quantos dos vários planos que fizemos realmente se concretizaram? Se eu disser que perdi o sono com a pergunta é mentira. Na praia, depois de uma garrafa de vinho tinto, não se perde o sono. Entretanto acordei pensando nisso. Tentei lembrar das várias versões dos planos, fazer um balanço. Fiz simulações com e sem a loteria e cheguei a uma conclusão. Não importa. A medição destas coisas não é em percentual. É só pegar a saudades que estamos sentido do pequeno, somá-la ao quanto conseguimos nos divertir mesmo assim, como se tivesse sido nossa primeira lua de mel, somá-los à total falta de necessidade de fazer novos planos e pronto, a conta está fechada. Todos os planos anteriores funcionaram.

Comentários

Anônimo disse…
Excelente, fiz um balanço desses uma vez e no primeiro momento fiquei decepcionado, anos depois (acho que mais experiente, pra não dizer velho), tenho um sorriso no rosto com o resultado atual. Abraço
Sinto saudades desse tempo... tenho certeza que fizemos muitas escolhas maravilhosas. Sempre que você quiser caminhar comigo é só me chamar. Te amo.

Postagens mais visitadas deste blog

Macallan ou Momentary Lapse of Reason?

  Tudo é velho agora. Eu tenho rolhas de vinhos que tomei esses dias, datadas de 15 anos atrás. Livros de 2006 que ainda não li, datados também, com meu nome em cima. Tenho filhos grandes, alguns empregos no currículo, lembranças que se confundem. E me confundem. Acho que datados não são os livros, ou as rolhas de vinho. Datado sou eu. Mas não me sinto assim, o que provavelmente é bom. Ou talvez patético. Fiz uma tatuagem nova outro dia. A tatuagem é nova, os temas antigos. Bandas que gosto há mais de 30 anos, um livro que escrevi há mais de 10. Tudo é velho agora. Os souvenires, os quadros, os móveis e principalmente os uísques. Os uísques são muito velhos, mas já foi-se o tempo em que todos eram mais velhos que eu. Hoje em dia nem todos, só os melhores. Talvez esse seja o segredo, ficar datado como os melhores uísques, não como os piores discos. Envelhecer, sei lá, mais como um Macallan do que como o Momentary Lapse of Reason. Falando em Momentary Lapse o Reason, o Pink Floyd

Nuke

Eu devia ter uns 12 anos quando o programa Fantástico, da Rede Globo, mostrou um especial sobre as possíveis consequencias à população de uma guerra nuclear, à epoca iminente. Isso foi muito antes de eu abandonar de vez a Rede Globo, mas com certeza ajudou na decisão. Aquela cena me marcou muito, para não dizer aterrorizou profundamente. Talvez só a participação do Minotauro no sítio do pica-pau amarelo tenha chegado perto na categoria “vamos deixar essa criança sem dormir por uns dias”. E não estou usando da força de expressão aqui. De fato fiquei meses sem dormir direito. Com dois irmãos mais novos, todos dormindo no mesmo quarto, eu era o que tinha a cama perto da janela. A rua que passava ao lado do nosso quarto era de paralelepípedos. Todos os dias, perto das 11 da noite (madrugada para uma criança – sim, com 12 anos ainda éramos crianças então), o caminhão de lixo passava por ali, com aquele barulhão característico dos caminhões de lixo, amplificado pelo efeito trepidante dos p

História de fim de dia

O pai chegou em casa cedo naquele dia. O pequeno estava na sala, com alguns amigos que tinham vindo com ele do colégio para brincar de videogame. A mais velha estava no quarto, com alguns amigos que não tinham vindo com ela do colégio, batendo papos virtuais. A mãe estava no banho. O cachorro em todos os lugares. Chovia lá fora. Como as crianças já estavam cansando de matar monstros e fazer curvas impossíveis, o pai resolveu contar uma história. Atividade antiquada essa de contar histórias, com a TV desligada, onde já se viu. Mas não demorou muito para o pequeno e seus pequenos colegas vidrarem seus pequenos olhos no pai, mal respirando. Era sobre um ser que viveu aqui por essas paradas, há muito tempo. Um ser verdadeiramente iluminado. Apesar de não ser humano, era amigo de todos. Cada vez que ele aparecia para uma visita, nem que fosse breve, todos se alegravam. Ele inspirava planos, sonhos, música. Enquanto o pai contava, a filha mais velha se juntou à gangue. Ouviu o silêncio