Pular para o conteúdo principal

Processo vs Projeto

Normalmente o texto abaixo encaixaria muito melhor no blog http://vouestarexecutando.blogspot.com. Mas se você ler o primeiro parágrafo rapidinho, sem dar muita bola, vai ver que não tinha como não colocar ele aqui também. Divirta-se:


Eu vivo tentando explicar a diferença entre Processos e Projetos. Para minha equipe, para as turmas do treinamento de Gestão por Processos que aplico, para colegas e para eu mesmo. A coisa ficou mais complicada ainda agora que as duas disciplinas estão sob o guarda-chuva de grandes associações, o PMI (Project Management Institue) para a Gestão por Projetos e o ABPMP (Association of Business Process Management Professionals) para a Gestão por Processos. As duas têm seus livros de referência, o PMBOK (Project Management Body of Knowledge) e o BPM-CBOK (Business Process Management Common Body of Knowledge) respectivamente, e as duas têm certificações profissionais respeitáveis, o PMP (Project Management Professional) e o CBPP (Certified Business Process Professional). Se os profissionais em geral já tinham a dificuldade natural de entender (e gerenciar) o que é Projeto e o que é Processo dentro de uma empresa, agora complicou de vez. Até a sopa de letrinhas descrita acima é parecida. Como estudei, me especializei e apliquei as duas (por necessidades diferentes em momentos de carreira diferentes), não pretendo largar o osso até que eu ache o exemplo perfeito, simples e autoexplicativo desta diferença. Não sei se vai ser desta vez, mas vamos lá.
Fui de férias com minha esposa e o neném para a praia de Bombinhas em Santa Catarina. Sempre que vamos até lá ficamos hospedados em uma pousada muito gostosa, na beira-mar, não muito perto do centrinho, mas perto o suficiente para não gastar 1 litro sequer de gasolina nos oito ou nove dias que geralmente ficamos por lá. Resumindo, o lugar ideal para nós. Pois é, desta vez tentamos inovar. O dinheiro andava curto com a chegada do neném e depois de muita pesquisa encontramos uma pousada bem na ponta da praia, quase no morro, por aproximadamente um terço do preço. Já ouviu a expressão “não existe almoço grátis”? Não criaram esta expressão a toa. Chegando lá percebemos a furada. O quarto que alugamos ficava a uns 200 metros da praia, no terceiro andar de um prédio sem elevador. Veja bem, carregar um neném de 12 quilos, que ainda não anda, por três lances de escada não é o fim do mundo. Carregar os 200 quilos de tralhas que um neném de 12 quilos precisa para viver feliz por três lances de escada, aí sim é de lascar.
Calma que a diferença entre Projetos e Processos está chegando!
Assim que percebemos a burrada que tínhamos feito, corri no balcão da recepção da pousada para negociar. E aí começou o desalinhamento. Para a moça do balcão, minha estada na pousada é um Processo. Uma entre várias. Um ponto na curva estatística. Ela faz check-ins, escuta reclamações, consegue travesseiro extra e faz check-outs para dezenas de clientes todos os dias. Já para minha esposa, meu neném e eu, os oito dias na praia são um Projeto. Ocorre apenas uma vez no ano, tem data para iniciar e acabar, dinheiro contado e apenas uma chance de sucesso. Se falhar, corremos o risco de encenar uma cópia tupiniquim e piorada de um filme de Sessão da Tarde, daqueles do Chevy Chase. Quando a nada simpática moça do balcão falou que não devolveria o adiantamento que eu havia feito para os dias de nossa estada, eu já comecei a ver os créditos rolando na minha cabeça, “Férias Frustradas em Bombinhas”, estrelando minha pequena família e eu.
Esperneei, ameacei, fiz bico, mas no final das contas não teve jeito. O melhor que consegui foi transferir nossa reserva para o bloco da pousada que fica de frente para o mar, pelo mesmo preço daquela outra pousada, sem escadas, perto (mas não tão perto) do centrinho, que adoramos ficar. Mesmo assim com o “bônus” de ter que trocar de quarto duas vezes durante o período de estada. Sim, você leu direito, três quartos diferentes em oito dias de férias na praia. Com escada. Só que agora de frente para o mar.
Todos os dias que eu passava na portaria da pousada, fazia uma cara de coitado para ver se pelo menos a desgraçada lembrava da nossa situação. Na verdade, duas horas depois do check-in ela nem lembrava mais quem éramos. Eu subia a escada que leva do nível do mar à recepção bufando, pingando suor, com o neném em um braço tentando morder minha bochecha por causa do sal do mar e as bóias, o baldinho e a sacola de piscina no outro braço, quase caindo (o braço, não a sacola). Nada. Nenhum sinal de compaixão.
No final das contas, com recepcionista antipática, 12.935 degraus (subidos ou descidos), o mesmo gasto que tentáramos evitar, algumas gramas de sal surrupiadas das minhas bochechas pelo neném, vários litros de gasolina gastos e muitas risadas, curtimos as férias do mesmo jeito de sempre.
Entretanto, essa experiência me fez refletir. Na verdade pouco importa a diferença acadêmica (ou até prática) entre Projetos e Processos. O que interessa é que todo Processo, seja ele industrial ou de serviços, entrega um produto que toca diretamente o Projeto de vida de alguém. A recepção de uma pousada, uma consulta médica, a produção de veículos em uma montadora, seja o que for, controlamos por estatísticas o que é pontual e de extrema importância para ‘aquele’ cliente. Se a gestão de sua empresa é feita da maneira tradicional, qual seja, organogramicamente, por processos, por projetos ou matricialmente, tanto faz. O que interessa é que o produto dela (no caso das B2C) ou o produto final da cadeia de valor (no caso das B2B), geralmente é parte importante do Projeto de vida de alguém. E eu garanto, se você não perceber isso, esse alguém nunca mais põe os pés na sua pousada.

Comentários

Maria Ercilia disse…
Adorei o texto e sou testemunha ocular dessa 'aventura" rsssss Mas foi bom demais!!!
Ju disse…
Esta foi uma verdadeira "cilada"...rsssss
Ano que vem, de volta pra pousada de sempre...UFA!!
Assis Ribeiro disse…
Olá Rodrigo,

Excelente texto!

Acredito que tenha retratado bem a diferença entre processo e projeto.

Destaco a informação (que deveria ser a preocupação) de que um processo contribui para um projeto.

Muito bom. Parabéns.

Postagens mais visitadas deste blog

História de fim de dia

O pai chegou em casa cedo naquele dia. O pequeno estava na sala, com alguns amigos que tinham vindo com ele do colégio para brincar de videogame. A mais velha estava no quarto, com alguns amigos que não tinham vindo com ela do colégio, batendo papos virtuais. A mãe estava no banho. O cachorro em todos os lugares. Chovia lá fora. Como as crianças já estavam cansando de matar monstros e fazer curvas impossíveis, o pai resolveu contar uma história. Atividade antiquada essa de contar histórias, com a TV desligada, onde já se viu. Mas não demorou muito para o pequeno e seus pequenos colegas vidrarem seus pequenos olhos no pai, mal respirando. Era sobre um ser que viveu aqui por essas paradas, há muito tempo. Um ser verdadeiramente iluminado. Apesar de não ser humano, era amigo de todos. Cada vez que ele aparecia para uma visita, nem que fosse breve, todos se alegravam. Ele inspirava planos, sonhos, música. Enquanto o pai contava, a filha mais velha se juntou à gangue. Ouviu o silêncio

O ensaio acabou

O ensaio acabou. Eles estavam exaustos. O ventilador de mesa nunca dava conta de mantê-los sãos nos dias de verão. Nos intervalos, cigarros e tererês, enquanto o guitarrista brincava na bateria (amor antigo para o qual nunca se entregou, mas continuava paquerando). A casa era de madeira, do baterista obviamente. No quarto ao lado, dormia a recém-nascida. Em poucos dias gravariam o primeiro CD, na época em que gravar CDs era um grande feito. As músicas estavam no ponto, ou pelo menos era o que achavam até entrarem no estúdio. O estúdio também não tinha ar condicionado, a não ser na sala de gravação. Estavam todos ansiosos. Foram dois dias só para ajustar e gravar a bateria (só o guitarrista teve saco de acompanhar todo o processo). Duas semanas no total para finalizar a obra. Depois de muitos cigarros, cervejas, erros e stress, a bolachinha ficou pronta. A pior parte foi a mixagem. A pior parte é sempre a mixagem. É quando você tenta arrumar o que não tem conserto.

Sem Planos

Esses carros modernos, pensou Marta, são tão estáveis e silenciosos que você passa dos cento e quarenta sem nem sentir. Ela estava dirigindo para visitar seu filho na faculdade em Florianópolis. João Lucas fazia engenharia mecânica, estava no segundo período e ainda tinha na cabeça o vácuo corriqueiro que se forma em calouros: entre esvaziar o cérebro dos decorebas inúteis necessários para passar no vestibular e enchê-lo novamente com cálculos, fórmulas, gráficos e tabelas, um pouco menos inúteis, que a engenharia exige. Três horas e meia de estrada para encher a geladeira do ingrato, que dará um aceno blasé quando ela chegar de viagem e entrar no minúsculo apartamento que ele divide com outros dois cabeças-oca. Marta olhou para a tela do seu BYD. Faltavam apenas oitenta quilômetros para chegar, mas as notícias não eram nada animadoras: trinta quilômetros de engarrafamento à frente. Segundo o aplicativo de GPS, a causa seria um acidente grave que estaria bloqueando a estrada. Preparou-