Pular para o conteúdo principal

Seagazer

Como ser humano assumida e eternamente perplexo com a grandeza e as maravilhas do oceano, sempre percebo quando estou diante de um semelhante. Nós, os Seagazers, somos facilmente reconhecíveis. É só prestar atenção aos braços largados ao lado do corpo (ou as mãos dadas atrás das costas, uma variação que, à exceção do físico prejudicado e do fato de não usarmos sungas vermelhas, pode faze-lo nos confundir com salva-vidas prontos para a ação), ao olhar fixo no horizonte oceânico, às pernas um pouco espaçadas e a uma leve inclinação a sair nadando até desaparecer. No meu caso específico – pois não sou um porta-voz da nossa espécie, ou algo do tipo – se tiver um par de fones brancos no ouvido, com, por exemplo, Stargazer (um tipo mais conhecido mas não menos esquisito de Gazer) do Mother Love Bone tocando, ainda melhor. Pode ser também a Oceans do Pearl Jam.

Hoje, curtindo o último dia de férias na praia, descobri um novo membro do nosso seleto grupo de lunáticos. Meu filho. Ele tem apenas um ano de idade, conheceu o mar há menos de uma semana e já é um dos nossos. É a primeira vez que pude presenciar o exato momento da descoberta. A hora da perdição. Afinal, ele estava no meu colo. Posso jurar por Nemo – não o peixe simpático da animação, mas o Capitão de Júlio Verne – que ele largou os bracinhos ao lado do corpo, fixou o olhar onde o mar encontra o céu e ficou hipnotizado. Alguns momentos depois, começou a se jogar em direção ao mar, como se estivesse me convidando a ir junto, encontrar nosso destino, agora ainda mais compartihado.

É claro que eu nunca negaria um pedido do meu filho. Entrei com ele no colo até passar a arrebentação – que em Bombinhas quase não merece esse nome, pois é feita de apenas uma mirradinha onda por vez – nos encaramos com cumplicidade, ele ficou lambendo o pouco de água salgada que espirrou em seu rosto e voltamos. O padre vai ter que me desculpar, mas agora sim posso dizer que ele foi batizado.

Comentários

A mamãe também faz parte desse time...talvez seja até a capitã!
Rafa disse…
muito bom
Maria Ercília disse…
Adorei!!
Alex Galego disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Alex Galego disse…
Que legau cara posso imaginar tua reação ao teu filho!
JU disse…
Q liiiinnddooooo!!!!

Postagens mais visitadas deste blog

Macallan ou Momentary Lapse of Reason?

  Tudo é velho agora. Eu tenho rolhas de vinhos que tomei esses dias, datadas de 15 anos atrás. Livros de 2006 que ainda não li, datados também, com meu nome em cima. Tenho filhos grandes, alguns empregos no currículo, lembranças que se confundem. E me confundem. Acho que datados não são os livros, ou as rolhas de vinho. Datado sou eu. Mas não me sinto assim, o que provavelmente é bom. Ou talvez patético. Fiz uma tatuagem nova outro dia. A tatuagem é nova, os temas antigos. Bandas que gosto há mais de 30 anos, um livro que escrevi há mais de 10. Tudo é velho agora. Os souvenires, os quadros, os móveis e principalmente os uísques. Os uísques são muito velhos, mas já foi-se o tempo em que todos eram mais velhos que eu. Hoje em dia nem todos, só os melhores. Talvez esse seja o segredo, ficar datado como os melhores uísques, não como os piores discos. Envelhecer, sei lá, mais como um Macallan do que como o Momentary Lapse of Reason. Falando em Momentary Lapse o Reason, o Pink Floyd

Nuke

Eu devia ter uns 12 anos quando o programa Fantástico, da Rede Globo, mostrou um especial sobre as possíveis consequencias à população de uma guerra nuclear, à epoca iminente. Isso foi muito antes de eu abandonar de vez a Rede Globo, mas com certeza ajudou na decisão. Aquela cena me marcou muito, para não dizer aterrorizou profundamente. Talvez só a participação do Minotauro no sítio do pica-pau amarelo tenha chegado perto na categoria “vamos deixar essa criança sem dormir por uns dias”. E não estou usando da força de expressão aqui. De fato fiquei meses sem dormir direito. Com dois irmãos mais novos, todos dormindo no mesmo quarto, eu era o que tinha a cama perto da janela. A rua que passava ao lado do nosso quarto era de paralelepípedos. Todos os dias, perto das 11 da noite (madrugada para uma criança – sim, com 12 anos ainda éramos crianças então), o caminhão de lixo passava por ali, com aquele barulhão característico dos caminhões de lixo, amplificado pelo efeito trepidante dos p

História de fim de dia

O pai chegou em casa cedo naquele dia. O pequeno estava na sala, com alguns amigos que tinham vindo com ele do colégio para brincar de videogame. A mais velha estava no quarto, com alguns amigos que não tinham vindo com ela do colégio, batendo papos virtuais. A mãe estava no banho. O cachorro em todos os lugares. Chovia lá fora. Como as crianças já estavam cansando de matar monstros e fazer curvas impossíveis, o pai resolveu contar uma história. Atividade antiquada essa de contar histórias, com a TV desligada, onde já se viu. Mas não demorou muito para o pequeno e seus pequenos colegas vidrarem seus pequenos olhos no pai, mal respirando. Era sobre um ser que viveu aqui por essas paradas, há muito tempo. Um ser verdadeiramente iluminado. Apesar de não ser humano, era amigo de todos. Cada vez que ele aparecia para uma visita, nem que fosse breve, todos se alegravam. Ele inspirava planos, sonhos, música. Enquanto o pai contava, a filha mais velha se juntou à gangue. Ouviu o silêncio