Antes que alguém pergunte, essa história não é inédita, ela já aconteceu. Apenas ninguém tinha tomado tempo para colocá-la em palavras, e é isso que vamos tentar fazer. Não foi assim, de uma hora para outra, que ele resolveu apagar suas memórias. Arquitetou tudo direitinho. Começou pelas fotos que mantinha dos tempos de escola e das antigas namoradas. Cancelou todas as suas contas em bancos, sítios eletrônicos e no bar do Joca. Deixou a barba crescer, o cabelo que restava também. Parou de andar no calçadão da Atlântica e de visitar os parentes. Só não conseguiu parar de fumar, mas este é um hábito que não define uma pessoa e portanto não estragaria seu plano de sumir aos poucos. Na verdade, como bem sabemos, poderia até acelerá-lo. Deu seus ternos para o porteiro antes de se mudar. Cortou as mangas das camisas e as calças à altura dos joelhos. Passaria o resto de seus dias lendo e relendo seus livros preferidos, escutando seus discos de música de elevador e bebendo água tônica com limão espremido. Não se pode afirmar que estava passando pela crise da meia idade, pois não temos certeza que ele vai durar mais o mesmo tanto que durou até aqui.
Tinha tirado férias para colocar seu plano em prática e, por questão ética (e financeira), voltou ao escritório quando elas acabaram. Acertou a papelada e pegou o dinheiro que tinha direito após quinze anos de trabalho duro. Iria precisar dele para sumir com dignidade. Quando seu chefe ofereceu um aumento generoso para que ele desistisse de ir embora, arrependeu-se de ter dados os ternos ao porteiro.
Comentários
j´ai beaucoup aimé ce texte!!