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Carta aos confusos

Eu estou a aproximadamente uns 10.000 metros de altura, voltando de mais uma viagem de tabalho. Estou cansado e sob o leve efeito de meio copo de plástico de vinho tinto francês vagabundo, servido com o micro jantar do avião. Por sorte estou sozinho em dois bancos, o que me dá espaço e privacidade para escrever. Já estava me preparando para encostar e tentar dormir quando resolvi embalar o sono com música. Têm 3 coisas que não podem acabar no meio de um vôo longo, a bateria do i-pod, a bateria do notebook e o livro que você está lendo. Bom, há uma quarta é claro, a gasolina do avião, mas nessa não vou me deter agora.


Procurando o som ideal para dormir, quase já parando no meu mais novo melhor amigo de viagens, Bob Dylan, percebi que as 4 músicas novas do Confusion estavam no aparelhinho. Já as havia escutado uma vez em casa e gostado bastante, mas agora foi diferente. Não é o vinho, nem o sono, nem o fato de serem meus grandes amigos e muito menos de eu ter participado de alguns anos da banda. É fato, o som dos caras está do caralho. Muito bom mesmo. Alguns detalhes de guitarra, um pouco escondidos pela má qualidade da gravação, o vocal ao estilo Wacky Kids (diga-se de passagem uma grande referência), a sempre poderosa e criativa bateria e o baixo bem marcado e untuoso marcam uma nova etapa na vida da banda, grandiosamente promissora.


Por coincidência estou no meio de um livro bem interessante com histórias de pessoas que por algum motivo têm problemas ou dons especiais relacionados à musicalidade. Uma das síndromes apresentadas por algumas pessoas chama-se amusia, um quadro onde a pessoa não consegue distinguir tons e algumas vezes até ritmos musicais. Em um dos relatos a pessoa diz que quando escuta música, parece que um trem está passando sobre a sua cabeça. Com certeza ela não escutava as últimas do Confusion, que mais parecem um trem descarrilhado e cheio de cores flutuando sobre a nossa cabeça.


Agora as baterias do i-pod e do notebook já podem acabar tranquilamente. O livro eu sei que ainda dura até Curitiba e a gasolina, espero eu, tem de sobra, assim como o gás desta grande banda de punk rock.

Comentários

Acras disse…
Muito bom o texto...
Os itens que não podem acabar... perfeito, hehehehe
Onde eu consigo as músicas?
Na minha lista das coisas que não podem acabar no avião é sem dúvida, um 'respirável', também conhecido como aturgil! rssss....
Mas vc sabe disso muito bem!

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