No auge da neurose com a vaca louca, fomos, eu e minha esposa, à França. Na época ainda namorávamos e eu queria impressioná-la com uma aliança de noivado em um passeio pelo Sena. Como tínhamos amigos em Toulon, resolvemos passar uns dias no sul antes da semana em Paris.
Não comer carne de gado na França só não é mais grave porque existem os patos, as rãs, as lesmas e outros bichos tão ou mais apetitosos. De qualquer maneira, perde-se muito. Por sorte eramos muito novos na época, e ainda não sabíamos direito o que estávamos perdendo. O maior exemplo é que raramente tomávamos vinho nas refeições, substituindo uma boa garrafa de borgonha de quinze dólares por uma boa garrafa de coca-cola de dez.
Falta de experiência à parte, quando acertávamos era em cheio. Em um dos poucos dias chuvosos da viagem, passeando por Grasse, famosa pelos perfumes e por ser cenário do famoso livro de Patrick Suskind, quando não aguentávamos mais de fome entramos em um restaurante. Tinha uma plaquinha na porta, destas nas quais se escreve a giz, indicando que o prato do dia era macarrão a bolonhesa. Até aí tudo bem, estávamos certos de que havia outros pratos no cardápio que não nos expusessem aos terríveis riscos da doença da vaca louca. Entramos no restaurante, bem iluminado, super aconchegante, com no máximo umas quinze mesas. Todas estavam ocupadas, com exceção de uma bem no canto, ao lado da cozinha. Como todos comessem o prato do dia, previ encrenca.
Quem atendia as mesas era a própria dona do restaurante, uma senhora gorda, alta e gritona, que se não nasceu na Itália, nasceu no lugar errado. A coisa estava se complicando. Chegamos a pensar que bater a cabeça na parede, babar pelos cantos da boca e ficar mugindo de noite não seria tão mal assim, ainda mais que na maioria dos casos os sintomas só apareceriam dez anos depois. Ainda assim achamos melhor não arriscar e, depois de uma rápida olhada no cardápio, tomamos coragem e pedimos spaguetti au pistou. Preciso confessar que pedimos achando que era macarrão ao molho pesto.
O pedido foi seguido do seguinte diálogo, em uma mistura de francês, portugês, italiano e inglês, com o volume da voz da senhora subindo a cada frase:
- Dois bolonhesas?
- Não senhora, dois pistou!
- Por que não dois bolonhesas?
- Porque somos vegetarianos. – Pensei rápido.
- Mas bolonhesa é o prato do dia!
- Nós sabemos, mas a senhora serve os outros pratos, certo?
- Sim, mas bolonhesa é o prato do dia, por que vocês não querem o bolonhesa?
- Eu já falei senhora, somos vegetarianos.
- Mas está todo mundo comendo o bolonhesa!!!!!
- Mesmo assim senhora, gostaríamos do pistou.
E lá foi ela, bufando e batendo o pano de prato na perna, enquanto todos nos olhavam como se fossemos criminosos. Trinta minutos e algumas bufadas depois, chegam os pratos. Para nossa surpresa, ao invés do molho verde com sabor forte de manjericão e pinólis, sobre a pasta encontrava-se um molho fresco, com tomates picados, manjericão fresco e um sabor leve e inesquecível. Achamos que ela tinha trocado o pedido de propósito, para vingar o bolonhesa, mas nosso medo era tal que resolvemos deixar por isso mesmo. Sorte nossa. Saboreamos uma delícia poucas vezes igualada em nossas vidas e somente muito tempo depois descobrimos que pistou e pesto são primos distantes e que a senhora gorda, apesar de mau humorada, era bem intencionada e não havia trocado o pedido.
Ainda não tivemos a chace de voltar lá. Agora que a vaca não está mais louca, fico imaginando o quão bom deve ser o bolonhesa.
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