Pular para o conteúdo principal

Repetrospectiva

Tenho uma amiga, que depois de levar algumas rasteiras da vida, está com vontade de tatuar uma pulga atrás da orelha. Não duvido que ela o faça, e que vire moda. Afinal, como não ter uma pulga atrás da orelha depois de um ano como 2006. Não sou dado a retrospectivas, afinal, o que passou, passou. O problema de 2006 é que o que passou, não passou, continua passando.

Nosso querido presidente falando bobagens relacionadas ao futebol, que supostamente têm algo haver com a situação do país, mas que ninguém entende. Mais um corte insignificante na taxa básica de juros. Mais um "pequeno" roubo impune. Mais um atentado em algum lugar do oriente médio, com uma série de mortes e mães chorando. Mais um grau na temperatura média da terra. Mais uma empresa abrindo as portas na China. Mais um grupo de funk carioca feito nos Estados Unidos. Desde quando o mundo ficou monótono?

O único evento que quebrou a monotonia do ano no Brasil foi a crise aérea que se estabeleceu desde outubro, quando um avião da Gol se chocou com uma pequena aeronave cheia de americanos. Aí a coisa ficou bacana. Foi a salvação de 2006. É claro que não estou falando do terrível acidente que resultou em dezenas de mortes. Estou falando das milhares de pessoas presas nos aeroportos, doidas para chegar em casa, ou na próxima reunião, que tiveram que enfrentar filas e mais filas, falta de informações e um tremendo desrespeito. Só espero que esta crise não entre para o rol de desgraças rotineiras, senão vai perder a graça.

Eu não poderia ter ficado de fora da brincadeira. Na volta de nossa única semana de férias na praia, eu e minha esposa enfrentamos um atraso de seis horas no aeroporto de Brasília, esperando um avião da TAM. Agora posso finalmente dizer que participei da história do país, mesmo que passivamente. Estou até pensando em lançar uma camiseta daquelas que vende em feira de rua com os dizeres "Crise aérea 2006: Eu estava lá!" Como dizem aqui na minha terra: "Chique no último". Se você assiste aos telejornais e viu pessoas desesperadas esperando os aviões, pessoas indignadas quebrando telas de computador, crianças chorando e outros atos de revolta, saiba que foram a minoria. Nas seis horas que esperamos a chamada para embarcar, o que mais vimos foram piadas sobre a situação, solidariedade, gente dormindo, lendo, ligando para casa e esperando com uma paciência além do limite. Tinha até gente comemorando que o embarque havia atrasado somente uma ou duas horas. Este é o brasileiro. Estes somos nós. Eu não sou diferente.

O lado bom deste jeitão é que encaramos a vida com mais alegria. O lado ruim é que somos obrigados a encarar a vida com alegria, se quisermos sobreviver. Quem me conhece bem, sabe que, além de nacionalista, sou um otimista inveterado. Mas 2006 foi uma prova de resistência, para ambos, meu otimismo e nacionalismo.

Comentários

Anônimo disse…
Feliz 2007 Digo!! Que o Confusão continue de vento em popa e que a confusão nacional acabe!! Pirei???
Anônimo disse…
Meu amor, que você continue assim em 2007, sempre otimista, sempre pensando positivo e agindo com o seu coração. Saiba que te amo, e me orgulho muito das coisas que você faz.

Postagens mais visitadas deste blog

Despertadores

Eu não sou exatamente um cara místico, que acredita muito em que tudo acontece por um motivo e tal. Ou pelo menos não era até ter meu filho e começar a me aproximar da meia idade. Agora, de verdade, meu velho ter perdido a hora no meu primeiro dia de aula em um novo colégio sempre fez meu ceticismo cair de joelhos, por assim dizer. Explico. Meu velho nunca perde a hora. Pelo contrário, a hora é que perde ele. Sempre agitado, ligadão, a mil por hora, quais eram as chances dele dormir demais no primeiro dia de aula de dois dos seus três filhos no colégio novo? Bom, alguma chance deveria ter, pois foi o que aconteceu. E esse pequeno deslize foi o que salvou a minha vida, sem exageros. Como cheguei atrasado, as carteiras próximas aos meus colegas do antigo colégio já estavam todas tomadas. Sobrou um lugar do outro lado da sala de aula, bem no meio de três figuras lendárias da cidade. Para um piá de prédio, patologicamente tímido, vindo de um colégio de filhinhos de papai, sentar no meio ...

Sem Planos

Esses carros modernos, pensou Marta, são tão estáveis e silenciosos que você passa dos cento e quarenta sem nem sentir. Ela estava dirigindo para visitar seu filho na faculdade em Florianópolis. João Lucas fazia engenharia mecânica, estava no segundo período e ainda tinha na cabeça o vácuo corriqueiro que se forma em calouros: entre esvaziar o cérebro dos decorebas inúteis necessários para passar no vestibular e enchê-lo novamente com cálculos, fórmulas, gráficos e tabelas, um pouco menos inúteis, que a engenharia exige. Três horas e meia de estrada para encher a geladeira do ingrato, que dará um aceno blasé quando ela chegar de viagem e entrar no minúsculo apartamento que ele divide com outros dois cabeças-oca. Marta olhou para a tela do seu BYD. Faltavam apenas oitenta quilômetros para chegar, mas as notícias não eram nada animadoras: trinta quilômetros de engarrafamento à frente. Segundo o aplicativo de GPS, a causa seria um acidente grave que estaria bloqueando a estrada. Preparou-...

Seagazer

Como ser humano assumida e eternamente perplexo com a grandeza e as maravilhas do oceano, sempre percebo quando estou diante de um semelhante. Nós, os Seagazers , somos facilmente reconhecíveis. É só prestar atenção aos braços largados ao lado do corpo (ou as mãos dadas atrás das costas, uma variação que, à exceção do físico prejudicado e do fato de não usarmos sungas vermelhas, pode faze-lo nos confundir com salva-vidas prontos para a ação), ao olhar fixo no horizonte oceânico, às pernas um pouco espaçadas e a uma leve inclinação a sair nadando até desaparecer. No meu caso específico – pois não sou um porta-voz da nossa espécie, ou algo do tipo – se tiver um par de fones brancos no ouvido, com, por exemplo, Stargazer (um tipo mais conhecido mas não menos esquisito de Gazer ) do Mother Love Bone tocando, ainda melhor. Pode ser também a Oceans do Pearl Jam . Hoje, curtindo o último dia de férias na praia, descobri um novo membro do nosso seleto grupo de lunáticos. Meu filho. Ele te...