Esses carros modernos, pensou Marta, são tão estáveis e silenciosos que você passa dos cento e quarenta sem nem sentir. Ela estava dirigindo para visitar seu filho na faculdade em Florianópolis. João Lucas fazia engenharia mecânica, estava no segundo período e ainda tinha na cabeça o vácuo corriqueiro que se forma em calouros: entre esvaziar o cérebro dos decorebas inúteis necessários para passar no vestibular e enchê-lo novamente com cálculos, fórmulas, gráficos e tabelas, um pouco menos inúteis, que a engenharia exige. Três horas e meia de estrada para encher a geladeira do ingrato, que dará um aceno blasé quando ela chegar de viagem e entrar no minúsculo apartamento que ele divide com outros dois cabeças-oca. Marta olhou para a tela do seu BYD. Faltavam apenas oitenta quilômetros para chegar, mas as notícias não eram nada animadoras: trinta quilômetros de engarrafamento à frente. Segundo o aplicativo de GPS, a causa seria um acidente grave que estaria bloqueando a estrada. Preparou-
Tudo é velho agora. Eu tenho rolhas de vinhos que tomei esses dias, datadas de 15 anos atrás. Livros de 2006 que ainda não li, datados também, com meu nome em cima. Tenho filhos grandes, alguns empregos no currículo, lembranças que se confundem. E me confundem. Acho que datados não são os livros, ou as rolhas de vinho. Datado sou eu. Mas não me sinto assim, o que provavelmente é bom. Ou talvez patético. Fiz uma tatuagem nova outro dia. A tatuagem é nova, os temas antigos. Bandas que gosto há mais de 30 anos, um livro que escrevi há mais de 10. Tudo é velho agora. Os souvenires, os quadros, os móveis e principalmente os uísques. Os uísques são muito velhos, mas já foi-se o tempo em que todos eram mais velhos que eu. Hoje em dia nem todos, só os melhores. Talvez esse seja o segredo, ficar datado como os melhores uísques, não como os piores discos. Envelhecer, sei lá, mais como um Macallan do que como o Momentary Lapse of Reason. Falando em Momentary Lapse o Reason, o Pink Floyd