Acordou muito cedo, mais que o de costume, tomou os remédios,
deu comida para o peixe, catou o casaco, a mochila com o notebook, desligou o
alarme e foi.
No caminho, escutando Pinkerton, do Weezer, perguntou-se
porque tem o peixe. Quase não olha para ele, fica meio escondido na cozinha,
como se estivesse sempre na iminência de virar um petisco para acompanhar seu single malt noturno diário, não serve
para nada. Mas ele gosta do peixe, que na falta de um nome melhor chamou
Peixoto. Mais para Caubi do que para o Marechal, Peixoto é um beta exibido,
colorido e inútil. Pensaria depois o que fazer com o peixe, sendo a opção mais
provável não fazer nada.
Uns 40 quilômetros já avançados no caminho da Universidade
deu-se conta de que não sabia o que ia falar na aula. Isso acontecia todos os
dias e, como morava no interior de lugar algum, 120 quilômetros longe da sala de
aula onde passava seus dias, sempre tinha tempo de preparar mentalmente o
esqueleto da aula, que desenvolveria de improviso, na medida em que o assunto
fosse se desenrolando com a ajuda da turma.
Lecionava história da música em um curso de graduação, um
dos únicos no país dedicado ao tema. Passaria horas falando sobre compositores
clássicos e para, digamos assim, sair do clima, resolveu escutar um clássico do
rock no caminho.
Ele adorava o que fazia e por isso mesmo passava o maior
tempo possível ensinando, lendo, estudando, escutando música, escrevendo sobre
música, indo a shows e concertos até que não sobrava mais nada para qualquer
outra coisa. Fuga, alguns diriam. Talvez fosse.
Já chegando na Faculdade de Música com a cabeça cheia dos riffs
poderosos de Pinkerton e a letra de Good Life na cabeça, pensando em como
muitas bandas chegam no seu auge criativo já no início da carreira (muitas e
muitas vezes no segundo álbum), e depois ficam andando de lado por décadas, pensou
se não seria esse o seu caso também. Quando mais jovem era um aclamado crítico
musical, tendo se aventurado na produção de discos importantes na história do
rock, ganhando alguma fama, grana, meninas e algumas encrencas também. Depois
andou de lado, não produziu nada com o mesmo impacto dos primeiros anos, ficou
amargo, recluso e solitário. Dos bons tempos manteve a paixão pela música e a
cadeira na faculdade.
Entrou na sala lotada de alunos ávidos por escutarem seus
improvisos, sempre cheios de vida e experiencia, sempre apaixonados e nunca,
nunca mesmo, sem opiniões fortes e polêmicas. Os futuros músicos, produtores,
críticos ou businessmen da indústria
musical estavam quietos, encarando o mestre e esperando a primeira frase como
se fosse o primeiro riff de Jimmy Page na Whole Lotta Love. Ele olhou para cima, para os lados, tirou o
casaco e pendurou na cadeira mantendo o suspense, olhou para a turma, encarou
cada um dos alunos e com uma voz grave, baixa e profunda, perguntou “Pessoal, o
que eu faço com o Peixoto?”
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