Eu estava no meio da leitura de um baita livro. E vou te falar, quase nada é tão importante quanto estar no meio da leitura de um baita livro, mas as pessoas parecem não compartilhar dessa ideia. Especialmente os dois casais que estavam na mesa de jantar da minha casa, e minha esposa que estava com eles, todos me esperando para começar enquanto eu estava trancado há meia hora no banheiro, sem conseguir largar o livro. Na verdade, não tinha nem me dado conta de que trinta minutos já tinham se passado, quando ouvi o grito mais assustadoramente desesperado que ouvi na minha vida, e não era da minha esposa.
Saí correndo do banheiro, desci as escadas quase sem sentir os degraus debaixo de meus pés descalços e cheguei à sala de jantar. A mesa estava posta, os pratos servidos e intocados, as taças com vinho pela metade sem nenhuma marca de batom das mulheres, a música tocando no meu toca-discos de vinil, as janelas abertas com a lua cheia entrando sem se importar com a cena, e ninguém por ali. Imaginei que poderiam ter se cansado de esperar e teriam saído para o quintal, ver a lua e bater papo com ar fresco, mas as taças de vinho teriam ido junto se fosse o caso. De fato, não tinha ninguém lá fora. Circulei rapidamente pela casa, ninguém. Minha espinha gelou.
Me veio à cabeça que poderiam ter se revoltado com minha demora e resolvido pregar uma peça, escondendo-se em algum canto escuro. Mas era improvável pois não eram amigos tão íntimos assim e, à exceção do Marcão, os outros não tinham um senso de humor exatamente aflorado. Ainda com a imagem de todos escondidos e espremidos em algum canto escuro, que se recusava a sair da minha cabeça por conta da Manu e aquele vestidinho ridiculamente pequeno que ela resolvera usar, lembrei do grito. Aquilo não podia ter sido fingimento. Algo tinha acontecido de verdade.
Circulei mais uma vez pela casa, entrei em todos os cômodos, sem exceção. Até na casinha do Bisteca eu fui dar uma olhada. Nada. Ninguém. Saí de casa, andei pelo condomínio, prestei atenção à movimentação nas casas vizinhas e fui até a portaria. Ninguém tinha visto a Manu, nem nossos convidados. Comecei a ficar realmente preocupado. O que poderia ter acontecido? Como é que cinco adultos simplesmente desaparecem dessa maneira?
Antes de ficar oficialmente desesperado, acendi um cigarro e voltei andando lentamente até a casa, o condomínio é grande e da portaria até lá são uns sete minutos de caminhada. A Manu não gosta que eu fume. Apesar do cigarro baixar um pouco minha adrenalina, estava fantasiando um milhão de possibilidades, todas sem um final muito bom. Não estava preparado para perder a Manu, ainda mais com aquele vestido. Acelerei o passo. Iria chegar em casa, dar mais uma olhada, ligar para a polícia e espera-los enquanto circulava pela vizinhança, fora do condomínio, com meu carro. Estava suando, apesar do frio, o coração galopando daquele jeito que faz com que “galopar” não seja a palavra adequada, mas é a única que chega perto. Faltavam duas casas para chegar na minha, um vizinho que passeava com seu cachorro acenou, devo ter acenado de volta. É um daqueles vizinhos que você sempre convida para aparecer, ele nunca aparece, você dá graças. Perguntei se ele tinha visto a Manu e meus amigos. Nada.
Cheguei em casa, entrei voando, passei pela sala, depois pela sala de jantar, quase chegando na cozinha. Parei como se tivesse dado de cara contra um muro invisível. Olhei para trás, por onde tinha acabado de passar, para a mesa de jantar. Estavam todos lá. Tinham cansado de me esperar e já estavam terminando o jantar, já na terceira garrafa de vinho, meio bêbados. Me olharam como se estivessem vendo um fantasma. A Manu levantou, me puxou de lado e perguntou se eu estava bem. Rosnei alguma coisa, fiz cara de estragado (na verdade não precisei me esforçar muito), pedi licença e subi novamente. Tomei um banho gelado, bem demorado. Saindo do banho vi o livro na pia do banheiro. Peguei o livro e fui deitar, torcendo para ele terminar bem.
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