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Ontem foi dia dos professores


Ontem foi dia dos professores. Recebi algumas mensagens de parabéns de ex-alunos e alguns atuais. Claro que eu fico feliz, lisonjeado pela lembrança e tal, mas confesso que não sinto que mereça. Explico, eu não sou professor, eu dou aulas. E, acredite, uma coisa é bem diferente da outra. Dou aula por pura paixão pelo assunto que eu trato, também como hobbie e, por que não, como um complemento de orçamento.

Ser professor é outra coisa muito diferente e bem mais complicada. Tem que ver com doação completa, com ideais bem específicos, crenças inabaláveis sobre o que realmente importa para a construção de uma sociedade, e é aí que a coisa complica.

Lembro que, logo que me formei, resolvi fazer um mestrado. Muito mais por não saber onde iria trabalhar ainda do que qualquer outra coisa. Logo que comecei o programa, tivemos um almoço de família na casa de meus pais. Quando meu velho contou para a família que eu tinha começado os estudos para me tornar mestre (meu velho adora grandes anúncios) um dos meus tios me olhou muito espantado, com uma cara de profunda preocupação comigo, e disse “mas você vai ser professor?” Nunca vou esquecer aquele momento. Estava estampado na cara dele um resumo muito claro de todo o desprezo que nossa sociedade tem para com esta classe de profissionais. E existe um paradoxo aí, que nossa burrice coletiva não nos permite equacionar, mas que a frase do meu amigo Jason Salles Rosa resume à perfeição “Ninguém nega o valor da educação e que um bom professor é imprescindível. Mas, ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores”.

Para mim, de coração, é fácil ser professor, mas é injusto que me chamem assim. Difícil é ser professor de verdade, como primeira escolha de ocupação, com o reconhecimento social e financeiro encolhidos que esta profissão traz.

Minha querida esposa se encaixa nesta segunda categoria, a dos professores de verdade, e vem batalhando com o dilema entre fazer o que ama ou ter “glamour profissional” desde que nos conhecemos há quase quinze anos. Pelo retorno que ela sempre teve dos alunos dela, ter optado por fazer o que ama tem se pagado, mas nem sempre é assim. Não para todos.


Minha homenagem aos professores de verdade deste país se resume à seguinte pergunta, aproveitando descaradamente o caminho aberto pelo Jason: ninguém em sã consciência entra numa concessionária da BMW esperando sair de lá com o último modelo e pagando o preço de um Mille. Por que então nossa população acha que pode fazer isso quando estamos falando da educação das nossas crianças, jovens e profissionais? Acho que a diferença é que de carro nós entendemos bem.

Comentários

Viviane Souza disse…
Muito bom!!! Realmente para quem dá aula a coisa é só prazer e uma delícia

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