É estranho um cara com o nariz que eu tenho nunca ter escrito nada sobre aromas, odores e afins, certo? Não. Uma coisa não tem nada que ver com a outra. Nariz grande não quer dizer que cheiro melhor.
Uma vez tentei entender mais de vinhos, e foi quando
descobri que meu olfato é uma porcaria. Cheguei a me animar em uma das aulas
que fiz sobre o tema. Enquanto o enólogo descrevia as notas frutadas do tinto
que estávamos analisando, com um leve toque de sei lá o que, lembrando alguma
coisa das savanas do sudeste sei lá de onde, e assim por diante, eu estava tão
empolgado que sentia o gosto do vinho enquanto inspirava com o nariz enfiado na
taça de cristal. Foi quando me dei conta que era o gosto mesmo. Meu narigão
chegou ao fundo da taça e eu estava literalmente tomando o vinho. Foi aí que
desisti de ser metido a besta.
O fato é que, mesmo com meu olfato precário, em alguns
momentos ele me surpreende e ajuda a trazer lembranças deliciosas da vida. E
hoje foi um desses dias. Sol sem nuvens, ar um pouco seco, frio gostoso (uma
semana depois de ter nevado em Curitiba, 38 anos depois da última), é o clima
perfeito para que os odores da cidade viajem com facilidade e invadam os
ambientes desprevenidos. E assim foi. Estava no táxi indo para um treinamento,
janela semiaberta, cruzando a cidade, quando o desfile começou.
O primeiro que chegou foi um odor de café da manhã.
Passávamos por uma região cheia de padarias e botecos, todos já preparando as
refeições matinais do povo que não consegue comer em casa, ou não tem ninguém para
partilhar deste momento. O cheiro era de pão com manteiga derretida, misturado
com café e fritura (provavelmente do chinês da pastelaria). Fantástico. Os
americanos, que sabem como ninguém inventar nome para as coisas, inventaram o
nome comfort food para este tipo de
comida. Aqui a gente chama de comida de vó, comida de sítio, ou sei lá que
outras variantes existem. Passei o dia com fome, cada vez que lembrava do
cheiro.
Depois, sei lá de onde, veio um aroma de perfume barato de
mulher, daqueles bem doces e que existem desde sempre. Lembrei na hora da minha
pré-adolescência (uns 12 anos por aí) quando em uma festa americana no verão
dancei com uma menina que tinha exatamente o mesmo cheiro. Nunca me esqueci do
cheiro, pois foi o mais perto que cheguei de dar o meu primeiro beijo antes, é
claro, de dar o meu primeiro beijo alguns anos depois.
Depois disso eu me empolguei e comecei a sentir cheiro até
de coisas que não estavam ali. O cheiro da chuva, antes de chover (tem gente
que acha que isso não existe, mas existe), o cheiro misturado do centro da
cidade, o cheiro do almoço árabe da vó ficando pronto, o cheiro do pescoço
azedo dos meus dois filhos quando eram recém-nascidos, o cheiro do cabelo da
minha esposa quando dançávamos nossa valsa no dia do casamento, o cheiro de várias
coisas estavam lá. Como uma retrospectiva olfativa da minha vida até aqui.
Fiquei imaginando um cara bom de nariz, como os enólogos
mais proeminentes, ou os perfumistas de primeira linha. Não deve ser fácil a
vida desse povo. Se cada odor disparar neles uma lembrança, boa ou ruim, como é
que conseguem se concentrar na vida de agora? Se existir paralisia por
nostalgia, esses caras devem ser os primeiros da fila.
Um dos meus livros favoritos chama-se O Perfume, de Patrick
Suskind, onde o personagem principal se torna um assassino na tentativa de
captar e manter para sempre os perfumes que sente da vida. Um exagero dramático
do autor, é claro, mas dá para entender de onde ele tirou a ideia para a
história. Basta uma volta de táxi pela cidade.
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