Um dos meus planos de coisas a fazer antes de morrer é
clichê para homens se aproximando da crise da meia idade. Quero muito, veja só,
alugar uma Harley Davidson e
percorrer a gloriosa Route 66, de
ponta a ponta. Eu sei, patético, mas o que posso fazer? Quero muito esse
negócio e, se tudo correr bem, quando os guris estiverem independentes, vou
levar minha pequena comigo e vamos encarar o desafio.
Por enquanto, tenho que me contentar com menos. Minha
experiência com road trips teve que,
digamos, encolher um pouco. Há algumas semanas, fui convocado para dar aula em
Toledo, no oeste do Paraná. Por um problema no aeroporto de Cascavel, tive que
encarar a viagem de carro. Transformei o limão numa limonada, como dizem. Como
a aula era na sexta à noite e no Sábado de manhã, fui de Curitiba para Ponta
Grossa na noite de quinta com a família, dormi por lá, acordei muito cedo na
sexta, troquei de carro com meu pai (o carro do velho é fantástico para viagens
longas) e parti.
De Ponta Grossa a Cascavel, onde eu pararia para almoçar com
meus tios e primos, tem pouco mais de 400Km, o que já garante uma distância
merecedora do título road trip. A
primeira coisa que fiz ao sair foi parar num posto de gasolina e comprar uma
garrafa de água, um sortimento de Halls,
Mentos e afins e uma carteira de Marlboro Lights. É meu amigo, eu estava
disposto a chutar o balde. Sozinho na estrada, sem família, sem horário (mais
ou menos) e sem compromissos (até a hora da aula). Fumei um cigarro, subi no
carro e saí fritando os pneus. Eu ainda não tinha me acostumado direito a
arrancar com o carro do velho.
O dia estava incrivelmente ensolarado, o que fez com que eu
perdesse a noção do tempo e do espaço. Por detrás dos meus óculos escuros eu
não enxergava nada que não fosse o asfalto se encontrando com o horizonte. E as
placas de transito, é claro, que eu sou meio CDF quando estou dirigindo. Quando
me dei conta já estava quase fazendo xixi nas calças e me apressei em parar no
primeiro posto de gasolina que apareceu. Estava em Guamiranga, segundo a moça
do posto, apontando o portal do outro lado da estrada, escrito "Bem vindo
a Guamiranga". 15.000 habitantes segundo a moça, achei demais. O sossego,
o silêncio, o verde. Quero me mudar para Guamiranga. Depois desisti, mas eu
queria mesmo, juro.
Como eu vi que a viagem ia render, e ainda era cedo prá
caramba, decidi ficar ali por mais um tempo. Estava lutando para terminar um
livro fantástico que eu estava lendo e nunca tinha tempo de terminar, então
estacionei o carro de frente para o infinito verde que domina o interior do
estado, deitei no capô do carro, acendi um cigarro e depois outro, e assim foi
até que terminei o livro. Garota Exemplar. Livraço. Voltei para a estrada.
Todo o resto da estrada não foi tão bacana quanto estes
primeiros cento e tantos quilômetros. Cansa esse negócio. Mas como o movimento
era baixo e o tempo bom, logo cheguei a Cascavel. Era meio-dia e o primo já
estava me esperando. Fomos até o restaurante árabe onde o tio e a tia estavam nos
esperando. Puta almoço árabe. Depois fomos para a casa do tio tomar um café,
adivinhe, árabe. Depois fomos ao escritório dele, e daí o primo foi me mostrar
a obra da casa dele e acabou a etapa Cascavel. Tinha que partir para Toledo
para dar minha aula.
Aula dada à noite, terminada na manhã seguinte, hora de
voltar. A esta altura já estava morrendo de saudades da Tati e dos pequenos. Então
resolvi não almoçar e tocar direto. Programei o GPS para encontrar a saída de
Toledo para Cascavel. Aquela merda me conduziu para uns buracos que eu tinha
certeza que nunca mais conseguiria me achar. De repente, sem enfrentar nenhum
trânsito, nenhum farol ou lombada, eu estava no meio da estrada. Perfeito, meu
GPS escreve certo por linhas tortas.
Fiz a viagem de volta inteira parando apenas uma vez, contra
umas cinco na ida. Desta vez sem cigarros, sem finais surpreendentes de livros
excelentes e, mais grave, sem Guamiranga. Estava louco para chegar em casa e
ver meu povo. Road trip é o cacete.
Vou esperar os piás crescerem um pouco e vamos para a Disney. Chega de clichê.
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