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O Vírus


Ela tem um rosto fronteiriço. Daqueles que você só sabe se é bonito ou feio quando ela abre a boca. A maioria das pessoas são bonitas ou feias, ponto. Você pode até mudar de idéia quando conhece melhor, mas já classifica de cara. Porém, algumas raras pessoas ficam ali, bem no meio, e você só desempata quando ela começa a falar. E ela começou a falar. E ela é linda de morrer. E foi aí que eu dancei.

Foi como um vírus incubado. Por semanas eu não me lembrei dela, mas aos poucos comecei a sentir que algo me incomodava. Seu rosto aparecia na minha imaginação e eu achava graça. Depois comecei a me preocupar com a frequência e, finalmente, veio a febre. Eu tinha que fazer alguma coisa, urgente. O nó é que pra vírus não tem remédio, tem que esperar o ciclo passar, mas eu precisava pelo menos de um antitérmico.

Comprei uma passagem de ônibus. Naqueles tempos, quando aeroporto ainda não parecia rodoviária, só gente rica viajava de avião. Arrumei minha mala com todos os argumentos que eu tinha e embarquei para a viagem de seis horas de estrada ruim que nos separava.

Fui ao mesmo bar que nos conhecemos, e ela estava lá. Deu pra ver da rua pelo amplo vidro que separa os bebuns do bar dos da rua. Ela também me viu e abriu um largo sorriso. Fiquei imaginando se ela também estava sofrendo do meu mal. Ficamos alguns minutos nos olhando de longe, ela com sua turma dentro do bar, eu sozinho do outro lado da rua. O trânsito estava surpreendentemente grande naquele fim de mundo, ainda mais considerando a hora avançada. Continuávamos nos olhando de longe. Depois que um ônibus passou lentamente entre nós, ela nunca mais me viu. Me arrependi muito de não ter comprado passagens de avião.

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