Pular para o conteúdo principal

E se a banana estiver muito quente?

Levei mais de meia hora para dar café-da-manhã para o pequeno. Por café-da-manhã entenda-se uma banana cortada em rodelas finas. Minha esposa dormia, aproveitando o final de semana para recuperar um pouco do sono, artigo raro em casa ultimamente. Em um misto de instinto paternal e falta do que fazer com o neném, resolvi ensiná-lo a comer sozinho. Peguei duas colheres de borracha, destas que mudam de cor de acordo com a temperatura – como se a banana, tirada diretamente do cacho, oferecesse algum perigo térmico – dei uma para ele, e começamos a lição. Eu pegava uma rodela de banana, colocava com a minha colherinha na colherinha dele, dava uma amassada para grudar bem, segurava a mãozinha dele e conduzia a colherinha até a sua boca. Depois da terceira colherada me peguei falando “É isso aí filhão, já está comendo como gente grande”. Mal terminei de falar, lembrei de quantas vezes ouvi outros pais falando esse tipo de coisas, antes de eu ter meu filho, e achando isso ridículo. Eu era o ridículo. O que é que eu esperava afinal? Que o pai (ou a mãe) virasse para o filho e falasse “Tudo bem filho, acertou a boquinha, mas sejamos honestos, o papai ajudou né? E bastante! De verdade, não estamos vendo muito progresso por aqui. Esta é a boca, essa aqui é a orelha. Na orelha não vai comida! O papai já te ensinou isso, qual é o teu problema?” Um pai que mereça este nome nunca falaria dessa maneira.

Correu tudo bem. O café-da-manhã foi um sucesso, minha esposa acordou, ganhei um elogio e um beijo extra por já ter alimentado o pequeno sem deixar a sala inabitável e saímos para o Sábado frio, ensolarado e aconchegante de Curitiba. É difícil, vou confessar, mas tem dado certo esse negócio de ser pai. Vou seguindo meus instintos e tudo acaba bem. Veja esse lance de usar a colher que muda de cor com a temperatura, quem é que teria pensado nisso para dar banana no café-da-manhã para o filho? Eu sei, genial!

Comentários

JU disse…
Só vc mesmo Digo...rssssssss
Só sei de UMA coisa: até hoje não vi pai melhor que você!
Maria Ercilia disse…
Genial é um pai como vc!!!

Postagens mais visitadas deste blog

Despertadores

Eu não sou exatamente um cara místico, que acredita muito em que tudo acontece por um motivo e tal. Ou pelo menos não era até ter meu filho e começar a me aproximar da meia idade. Agora, de verdade, meu velho ter perdido a hora no meu primeiro dia de aula em um novo colégio sempre fez meu ceticismo cair de joelhos, por assim dizer. Explico. Meu velho nunca perde a hora. Pelo contrário, a hora é que perde ele. Sempre agitado, ligadão, a mil por hora, quais eram as chances dele dormir demais no primeiro dia de aula de dois dos seus três filhos no colégio novo? Bom, alguma chance deveria ter, pois foi o que aconteceu. E esse pequeno deslize foi o que salvou a minha vida, sem exageros. Como cheguei atrasado, as carteiras próximas aos meus colegas do antigo colégio já estavam todas tomadas. Sobrou um lugar do outro lado da sala de aula, bem no meio de três figuras lendárias da cidade. Para um piá de prédio, patologicamente tímido, vindo de um colégio de filhinhos de papai, sentar no meio ...

Triathlon de Noel

Natal de 2010. Na verdade antevéspera de Natal, dia 23 de Dezembro. Faz 5 minutos que saí de uma reunião com um fornecedor crítico, que está quase parando a linha de produção de um de nossos clientes. Em mais 25 minutos entro em outra, com outro fornecedor crítico, que está quase parando a linha de produção de outro de nossos clientes. 2010 foi assim, basicamente uma corrida só, em três modalidades. Modalidade número 1, a já mencionada corrida atrás de peças para nossos clientes. Modalidade número 2, a emocionante corrida atrás do desenvolvimento pessoal. Já contei em outras ocasiões que todos os anos eu me isolo, por dois ou três dias, para fazer uma reflexão do ano que passou, das evoluções conquistadas e do que está por vir. Depois tenho o ano todo para dar os próximos passos. De fato dei muitos passos esse ano, mas sempre correndo contra o relógio. Clichê verdadeiro esse, como todos os clichês. E finalmente a melhor de todas. A modalidade número 3, corrida com revezamentos e ...

Sem Planos

Esses carros modernos, pensou Marta, são tão estáveis e silenciosos que você passa dos cento e quarenta sem nem sentir. Ela estava dirigindo para visitar seu filho na faculdade em Florianópolis. João Lucas fazia engenharia mecânica, estava no segundo período e ainda tinha na cabeça o vácuo corriqueiro que se forma em calouros: entre esvaziar o cérebro dos decorebas inúteis necessários para passar no vestibular e enchê-lo novamente com cálculos, fórmulas, gráficos e tabelas, um pouco menos inúteis, que a engenharia exige. Três horas e meia de estrada para encher a geladeira do ingrato, que dará um aceno blasé quando ela chegar de viagem e entrar no minúsculo apartamento que ele divide com outros dois cabeças-oca. Marta olhou para a tela do seu BYD. Faltavam apenas oitenta quilômetros para chegar, mas as notícias não eram nada animadoras: trinta quilômetros de engarrafamento à frente. Segundo o aplicativo de GPS, a causa seria um acidente grave que estaria bloqueando a estrada. Preparou-...