Pular para o conteúdo principal

O mundo que você vai ver quando chegar

Meu filho, finalmente nos conhecemos. Você não sabe como foi difícil esperar estas seis semanas. Desde o último exame você cresceu bastante e agora que já sei teu sexo, posso te chamar de meu filho. Antes era só um feijãozinho, um carocinho de nada. O mais lindo que eu já vi, mas difícil de imaginar. Agora te conheci de verdade, te vi abrir a boca e dar saltos no ventre da tua mãe. Tudo reflexo, a doutora falou, mas o que é que ela entende afinal? Reflexo nada, você sabia que eu estava te vendo e já fez a primeira exibição pro teu velho aqui. Abriu as pernocas para não deixar dúvidas, já sabe que o velho é ansioso e não iria me deixar na curiosidade mais um tempo né? Tá bom, eu nem sou tão velho assim, mas você nem nasceu ainda, imagine. Aliás, não vejo a hora de você chegar. As coisas não são tão fáceis assim por aqui, ainda mais comparando com teu lar atual, mas vale a pena, você vai ver. E além do mais eu estou aqui para te ajudar em tudo o que você precisar, mas não abuse viu? Não vou te dar moleza. Ora, a quem eu quero enganar, vou dar moleza sim, e muito mais. Se quiser jogar bola, vou comprar a mais bonita. Se quiser carinho, vou largar tudo para ficar com você. Se quiser monopolizar tua mãe, bom, aí vamos ter que conversar de perto, porque ela é minha e ninguém tasca, mas te dou umas brechas. Ou melhor, já estou rezando para você me dar umas brechas. Pense bem hein! Disso depende tua mesada no futuro. Mas já estou indo longe demais. Calma. Primeiro você precisa nascer. Quando isso acontecer, você vai ver um homem de guarda-pó azul, com cara de inteligente, provavelmente de óculos e com mãos grandes. Não sou eu ainda viu! Depois você vai ver uma mulher linda que, sem nunca ter visto antes, saberá que é a tua mãe. Eu nem precisava contar. O terceiro que você verá serei eu (ou quarto, dependendo da dose de calmante que dermos para tua avó). Eu sou o homem feio, de olhos vermelhos e cheios d'água, suando e tremendo, que terá muito medo e ao mesmo tempo muita vontade de pegar você no colo pela primeira vez. Se você quiser chorar neste momento não se acanhe, eu sei que com tua mãe é bem melhor, mas não espere que eu vá desistir de você tão facilmente. Ah não! Nunca. É filho, muita coisa nos aguarda, veja só, somos marinheiros de primeira viagem, eu pai e você humano. Não sei qual é mais difícil, mas te prometo uma coisa, vamos nos divertir muito tentando. Até breve.

Comentários

Acras disse…
Muito bom, emocionante. Parabéns.
Lindo, meu amor!
É realmente uma aventura, né?
TE AMO
Anônimo disse…
Digo querido, não choro fácil, mas estou aqui aos prantos! Ver a primeira foto do meu neto e ler o seu texto no mesmo dia, é muita coisa para o coração da nona! Vc é lindo, por dentro e por fora e será o melhor pai do mundo, tenho certeza!
Unknown disse…
digones e tati,
muito jóia o que estão vivendo :)´
curtam muito e loguinho o Matheus estará ai ao vivo para encher todos de alegrias!
fiquem bem
Rodrigo

Postagens mais visitadas deste blog

Despertadores

Eu não sou exatamente um cara místico, que acredita muito em que tudo acontece por um motivo e tal. Ou pelo menos não era até ter meu filho e começar a me aproximar da meia idade. Agora, de verdade, meu velho ter perdido a hora no meu primeiro dia de aula em um novo colégio sempre fez meu ceticismo cair de joelhos, por assim dizer. Explico. Meu velho nunca perde a hora. Pelo contrário, a hora é que perde ele. Sempre agitado, ligadão, a mil por hora, quais eram as chances dele dormir demais no primeiro dia de aula de dois dos seus três filhos no colégio novo? Bom, alguma chance deveria ter, pois foi o que aconteceu. E esse pequeno deslize foi o que salvou a minha vida, sem exageros. Como cheguei atrasado, as carteiras próximas aos meus colegas do antigo colégio já estavam todas tomadas. Sobrou um lugar do outro lado da sala de aula, bem no meio de três figuras lendárias da cidade. Para um piá de prédio, patologicamente tímido, vindo de um colégio de filhinhos de papai, sentar no meio ...

Sem Planos

Esses carros modernos, pensou Marta, são tão estáveis e silenciosos que você passa dos cento e quarenta sem nem sentir. Ela estava dirigindo para visitar seu filho na faculdade em Florianópolis. João Lucas fazia engenharia mecânica, estava no segundo período e ainda tinha na cabeça o vácuo corriqueiro que se forma em calouros: entre esvaziar o cérebro dos decorebas inúteis necessários para passar no vestibular e enchê-lo novamente com cálculos, fórmulas, gráficos e tabelas, um pouco menos inúteis, que a engenharia exige. Três horas e meia de estrada para encher a geladeira do ingrato, que dará um aceno blasé quando ela chegar de viagem e entrar no minúsculo apartamento que ele divide com outros dois cabeças-oca. Marta olhou para a tela do seu BYD. Faltavam apenas oitenta quilômetros para chegar, mas as notícias não eram nada animadoras: trinta quilômetros de engarrafamento à frente. Segundo o aplicativo de GPS, a causa seria um acidente grave que estaria bloqueando a estrada. Preparou-...

Seagazer

Como ser humano assumida e eternamente perplexo com a grandeza e as maravilhas do oceano, sempre percebo quando estou diante de um semelhante. Nós, os Seagazers , somos facilmente reconhecíveis. É só prestar atenção aos braços largados ao lado do corpo (ou as mãos dadas atrás das costas, uma variação que, à exceção do físico prejudicado e do fato de não usarmos sungas vermelhas, pode faze-lo nos confundir com salva-vidas prontos para a ação), ao olhar fixo no horizonte oceânico, às pernas um pouco espaçadas e a uma leve inclinação a sair nadando até desaparecer. No meu caso específico – pois não sou um porta-voz da nossa espécie, ou algo do tipo – se tiver um par de fones brancos no ouvido, com, por exemplo, Stargazer (um tipo mais conhecido mas não menos esquisito de Gazer ) do Mother Love Bone tocando, ainda melhor. Pode ser também a Oceans do Pearl Jam . Hoje, curtindo o último dia de férias na praia, descobri um novo membro do nosso seleto grupo de lunáticos. Meu filho. Ele te...