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Páscoa

É interessante quando se entra na adolescência e se começa a descobrir seu lado consumista. Eu dava vazão a este meu lado por intermédio das viagens do tio Nagibinho. Muito antes da tão falada globalização e dos shopping centers, ele ganhava a vida (ou tentava ganhar) trazendo produtos americanos e japoneses do Paraguay. Nada mais atraente para um adolescente sedento por novidades importadas. Nada mais irritante para um senhor nos seus sessenta anos, com grandes encomendas de gente rica, do que ter que aguentar uma criança pentelhando por meia dúzia de fitas cassete.
Neste final de semana o tio Nagibinho morreu. Morreu com ele mais uma lembrança agradável, de uma época onde tudo era mais simples. Uma época onde os mais velhos não eram tão velhos e o tempo ainda não tinha acelerado. Até a vó Glória, minha bisavó, ainda estava por aqui.
Era impossível sair da casa da vó Glória sem alguma coisa em mãos. Qualquer coisa, comestível ou não. Ela e a vó Margarida, mãe do meu pai, sempre foram para mim a imagem da pessoa pura, de grandes virtudes e sem nenhum pingo de maldade no coração. Duas pessoas ótimas, que eu aproveitei muito menos do que poderia. Deixei escapar.
Nunca vou esquecer os almoços de Domingo na casa da vó Margarida. É difícil dizer qual dos irmãos do meu pai, incluindo-o, é o mais engraçado. Passávamos a tarde ouvindo os quatro falando bobagens e interpretando personagens que até hoje ninguém sabe de onde surgiam. O tio Michel insistia em imitar uma balisa tímida em desfile de sete de setembro. O conceito é totalmente sem graça, mas só de lembrar dele se contorcendo com a mão cobrindo o rosto já me dá vontade de rir.
Chegará minha vez de pagar um mico na frente da minha família, e de fazer todos rirem. Nem que seja por respeito ao tio mais velho. Se Deus quiser!

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