Pular para o conteúdo principal

Aposta

-          Oi, eu sou o teu anjo da guarda.
-          Hum? Como?
-          Teu an... Sabe do que? KABUM
-          Uow, o que foi isso?
-          Para provar de uma vez. Não estou com paciência para ficar te convencendo.
-          Como é que você fez isso?
-          Já falei, sou teu anjo da guarda. Aliás, já pedi transferência mas o chefe não aceitou. Quer testar os meus limites.
-          Como assim transferência?
-          De você. Não aguento mais, você dá muito trabalho.
-          Que trabalho? Você está louco? Não pratico nenhum esporte radical, não transo sem camisinha, sou tranquilo no trânsito, não uso drogas, não assisto Big Brother.
-          Ah é? E essa porcaria que você pede toda noite para comer em casa? Tem ideia de quantos pneus de moto eu já furei, de quantas máquinas de cartão eu já quebrei e de quantas vezes tive que trocar o teu endereço?
-          Então foi você? E eu achando que era o cara mais azarado do mundo.
-          Azarado sou eu, de ter você como protegido.
-          E qual é o problema com o meu sanduíche?
-          O sanduíche não tem nenhum problema. Dois por noite, acompanhados de batas fritas e refrigerante, 15 minutos antes de dormir é que tem.
-          Você fala isso porque nunca experimentou. Te faço um desafio, vamos pedir um para você agora, se você resistir ao segundo eu paro hoje mesmo. Senão, você me deixa em paz para sempre. Que tal?
-          Não é assim que funciona Carlos Eduardo.
-          Pense bem, é a tua chance de ter paz e sossego.
-          Tá bem. Combinado. Pode pedir.

O motoboy chegou intacto e a máquina de cartão funcionou. Gabriel comeu o sanduíche, não quis o segundo, e voltou para o céu. Vencera o desafio e salvara a vida de Carlos Eduardo. O chefe estava orgulhoso.

Gabriel finalmente tinha o sossego que merecia. Voltou a trabalhar em horário normal como os outros anjos da guarda. Estava até tendo tempo para jogar tênis duas vezes por semana e voltou a ler, seu passatempo favorito. Tudo o que sempre quis. Mas Gabriel andava triste. Por um tempo achou que era a falta da adrenalina de tentar salvar o Carlos Eduardo todas as noites. Depois, no silêncio do seu quarto celestial, admitiu para si mesmo que o que sentia falta de verdade era daquele maldito sanduíche. O que será que os caras colocavam naquela maionese?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Triathlon de Noel

Natal de 2010. Na verdade antevéspera de Natal, dia 23 de Dezembro. Faz 5 minutos que saí de uma reunião com um fornecedor crítico, que está quase parando a linha de produção de um de nossos clientes. Em mais 25 minutos entro em outra, com outro fornecedor crítico, que está quase parando a linha de produção de outro de nossos clientes. 2010 foi assim, basicamente uma corrida só, em três modalidades. Modalidade número 1, a já mencionada corrida atrás de peças para nossos clientes. Modalidade número 2, a emocionante corrida atrás do desenvolvimento pessoal. Já contei em outras ocasiões que todos os anos eu me isolo, por dois ou três dias, para fazer uma reflexão do ano que passou, das evoluções conquistadas e do que está por vir. Depois tenho o ano todo para dar os próximos passos. De fato dei muitos passos esse ano, mas sempre correndo contra o relógio. Clichê verdadeiro esse, como todos os clichês. E finalmente a melhor de todas. A modalidade número 3, corrida com revezamentos e ...

Despertadores

Eu não sou exatamente um cara místico, que acredita muito em que tudo acontece por um motivo e tal. Ou pelo menos não era até ter meu filho e começar a me aproximar da meia idade. Agora, de verdade, meu velho ter perdido a hora no meu primeiro dia de aula em um novo colégio sempre fez meu ceticismo cair de joelhos, por assim dizer. Explico. Meu velho nunca perde a hora. Pelo contrário, a hora é que perde ele. Sempre agitado, ligadão, a mil por hora, quais eram as chances dele dormir demais no primeiro dia de aula de dois dos seus três filhos no colégio novo? Bom, alguma chance deveria ter, pois foi o que aconteceu. E esse pequeno deslize foi o que salvou a minha vida, sem exageros. Como cheguei atrasado, as carteiras próximas aos meus colegas do antigo colégio já estavam todas tomadas. Sobrou um lugar do outro lado da sala de aula, bem no meio de três figuras lendárias da cidade. Para um piá de prédio, patologicamente tímido, vindo de um colégio de filhinhos de papai, sentar no meio ...

Nuke

Eu devia ter uns 12 anos quando o programa Fantástico, da Rede Globo, mostrou um especial sobre as possíveis consequencias à população de uma guerra nuclear, à epoca iminente. Isso foi muito antes de eu abandonar de vez a Rede Globo, mas com certeza ajudou na decisão. Aquela cena me marcou muito, para não dizer aterrorizou profundamente. Talvez só a participação do Minotauro no sítio do pica-pau amarelo tenha chegado perto na categoria “vamos deixar essa criança sem dormir por uns dias”. E não estou usando da força de expressão aqui. De fato fiquei meses sem dormir direito. Com dois irmãos mais novos, todos dormindo no mesmo quarto, eu era o que tinha a cama perto da janela. A rua que passava ao lado do nosso quarto era de paralelepípedos. Todos os dias, perto das 11 da noite (madrugada para uma criança – sim, com 12 anos ainda éramos crianças então), o caminhão de lixo passava por ali, com aquele barulhão característico dos caminhões de lixo, amplificado pelo efeito trepidante dos p...