A música que eu queria escrever poderia ser em português ou em inglês. Poderia ser também em japonês, italiano ou francês, seu eu conhecesse estes idiomas bem o suficiente para escrever a música que eu queria escrever. Não importa. A música que eu queria escrever teria que mudar o mundo. É eu sei, este é um sonho de adolescente, coisa de candidata a miss, que não combina com meus quase 35 anos de idade. Foda-se. Eu queria uma música que fizesse todo mundo pular, sair gritando pela casa, dançando da maneira mais idiota possível, mas decidido a viver melhor. Uma música emocionante como a melhor balada, forte como o mais agressivo heavy metal, profunda como a mais bem feita sinfonia, inteligente como um improviso de jazz, tocante como o blues e nem de perto parecida com o sertanejo, o axé ou o pagode. Uma música que fizesse esquecer-nos dos problemas e ajudasse a encontrarmos soluções. Uma que fizesse o ladrão devolver as jóias, e o dono das jóias as transformasse em comida para o vizinho. Que fizesse o soldado perder o emprego e feliz encontrasse outro. Que fizesse o jornal ficar mais fino, pelo menos nas sessões de notícias ruins, e que o menino não precisasse mais dele para se cobrir na rua fria, mesmo porque não estaria mais morando na rua. Enfim, uma música que, verdade verdadeira, mudasse o mundo. Para sempre. Acho que vai ser difícil, mas prometo morrer tentando. Tenho certeza de que ela ainda não existe, é só ler o jornal.
O ensaio acabou. Eles estavam exaustos. O ventilador de mesa nunca dava conta de mantê-los sãos nos dias de verão. Nos intervalos, cigarros e tererês, enquanto o guitarrista brincava na bateria (amor antigo para o qual nunca se entregou, mas continuava paquerando). A casa era de madeira, do baterista obviamente. No quarto ao lado, dormia a recém-nascida. Em poucos dias gravariam o primeiro CD, na época em que gravar CDs era um grande feito. As músicas estavam no ponto, ou pelo menos era o que achavam até entrarem no estúdio. O estúdio também não tinha ar condicionado, a não ser na sala de gravação. Estavam todos ansiosos. Foram dois dias só para ajustar e gravar a bateria (só o guitarrista teve saco de acompanhar todo o processo). Duas semanas no total para finalizar a obra. Depois de muitos cigarros, cervejas, erros e stress, a bolachinha ficou pronta. A pior parte foi a mixagem. A pior parte é sempre a mixagem. É quando você tenta arrumar o que não tem conserto. ...
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