Pular para o conteúdo principal

Passeio

Saíram os três para um passeio vespertino à beira-mar. Se conheciam desde pequenos e tinham uma amizade daquelas que duram todo o verão. Foram longe conversando sobre os planos para o novo ano. Que cursos fariam, que amores esqueceriam e quanto dinheiro deixariam de guardar com as bebedeiras, as viagens e outras atividades de igual importância. Já iam longe e tinham resolvido quase todos os problemas do ano que começava quando Marcelo, o mais velho, falou de como sentia-se bem na companhia dos outros dois e levou uma vaia. Era permitido sentir-se bem, mas não precisava falar sobre isso, era óbvio e estragava o momento. Marcelo sempre falava demais.

Rose era a mais nova, e a única mulher. Marcelo e Carlos cuidavam dela como irmã, coisa que ela adorava, quase sempre. Era geniosa e de longe a mais inteligente dos três. Também a mais boêmia e promíscua, para desespero dos outros dois. Ficava com um cara diferente a cada noite, não antes de judiar bastante do pobre coitado e, é claro, de Marcelo e Carlos. Não era bonita, nem tinha corpão, mas era tão segura de si que deixava os homens loucos.

O papo evoluiu (ou involuiu) para a noitada do dia anterior. Carlos, que tinha uma necessidade desesperada e inconveniente de saber de tudo aos detalhes, queria uma descrição completa das aventuras de Rose com o baixinho de olho puxado que ela havia agarrado no bar onde estavam. Carlos insistiu tanto que Rose, para provocar, resolveu contar. A chegada desastrada do japonesinho, o primeiro drink , os beijos na mesa do bar e os "um pouco mais que beijos" no corredor dos banheiros. Quando ela se preparava para contar em detalhes a trepada que deram no estacionamento, ele interrompeu aos gritos. "Chega Rose, agora chega."

Carlos ria nervoso. Escondia de Rose que a amava desde sempre, e achava que saber de todas as suas histórias era uma forma de estar no controle, de não ter o coração pisoteado de surpresa. Marcelo estava inquieto, mas não com a história que a amiga acabara de contar. Sabia do amor secreto e sofrido de Carlos por Rose. Infinitamente menor que o dele por Carlos.

Comentários

Anônimo disse…
Você sabe o quanto adoro histórias sobre relacionamentos, e esse texto foi uma boa surpresa!
Keep it up!
Legal a história Rodrigo. Assisti este final de semana um filme chamado Jeane Austin Book Club, sobre relacionamentos. Lembrei da Simone Ricci no término do filme e acho que vc tbém vai gostar, é sobre um grupo que se reúne para discutir os livros da Jeane Austin e os relacionamentos dos personagens dos livros se misturam aos do filme, é bem interessante. By the way, terminei de ler O Caçador de Pipas e estou lendo A Cidade do Sol...

Postagens mais visitadas deste blog

Triathlon de Noel

Natal de 2010. Na verdade antevéspera de Natal, dia 23 de Dezembro. Faz 5 minutos que saí de uma reunião com um fornecedor crítico, que está quase parando a linha de produção de um de nossos clientes. Em mais 25 minutos entro em outra, com outro fornecedor crítico, que está quase parando a linha de produção de outro de nossos clientes. 2010 foi assim, basicamente uma corrida só, em três modalidades. Modalidade número 1, a já mencionada corrida atrás de peças para nossos clientes. Modalidade número 2, a emocionante corrida atrás do desenvolvimento pessoal. Já contei em outras ocasiões que todos os anos eu me isolo, por dois ou três dias, para fazer uma reflexão do ano que passou, das evoluções conquistadas e do que está por vir. Depois tenho o ano todo para dar os próximos passos. De fato dei muitos passos esse ano, mas sempre correndo contra o relógio. Clichê verdadeiro esse, como todos os clichês. E finalmente a melhor de todas. A modalidade número 3, corrida com revezamentos e ...

Despertadores

Eu não sou exatamente um cara místico, que acredita muito em que tudo acontece por um motivo e tal. Ou pelo menos não era até ter meu filho e começar a me aproximar da meia idade. Agora, de verdade, meu velho ter perdido a hora no meu primeiro dia de aula em um novo colégio sempre fez meu ceticismo cair de joelhos, por assim dizer. Explico. Meu velho nunca perde a hora. Pelo contrário, a hora é que perde ele. Sempre agitado, ligadão, a mil por hora, quais eram as chances dele dormir demais no primeiro dia de aula de dois dos seus três filhos no colégio novo? Bom, alguma chance deveria ter, pois foi o que aconteceu. E esse pequeno deslize foi o que salvou a minha vida, sem exageros. Como cheguei atrasado, as carteiras próximas aos meus colegas do antigo colégio já estavam todas tomadas. Sobrou um lugar do outro lado da sala de aula, bem no meio de três figuras lendárias da cidade. Para um piá de prédio, patologicamente tímido, vindo de um colégio de filhinhos de papai, sentar no meio ...

Nuke

Eu devia ter uns 12 anos quando o programa Fantástico, da Rede Globo, mostrou um especial sobre as possíveis consequencias à população de uma guerra nuclear, à epoca iminente. Isso foi muito antes de eu abandonar de vez a Rede Globo, mas com certeza ajudou na decisão. Aquela cena me marcou muito, para não dizer aterrorizou profundamente. Talvez só a participação do Minotauro no sítio do pica-pau amarelo tenha chegado perto na categoria “vamos deixar essa criança sem dormir por uns dias”. E não estou usando da força de expressão aqui. De fato fiquei meses sem dormir direito. Com dois irmãos mais novos, todos dormindo no mesmo quarto, eu era o que tinha a cama perto da janela. A rua que passava ao lado do nosso quarto era de paralelepípedos. Todos os dias, perto das 11 da noite (madrugada para uma criança – sim, com 12 anos ainda éramos crianças então), o caminhão de lixo passava por ali, com aquele barulhão característico dos caminhões de lixo, amplificado pelo efeito trepidante dos p...